INTRODUÇÃO
A Organização Mundial da Saúde (OMS), assim como muitas instituições globais de saúde, considera a Atenção Primária à Saúde (APS) o caminho para se alcançar a cobertura universal de saúde. Essa cobertura faz parte do principal alvo do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 3, da agenda 2030 da ONU, que é garantir uma vida saudável e promover o bem-estar para todos em todas as idades. Em sistemas universais de saúde, a APS é o primeiro contato dos pacientes com o sistema de saúde, sendo esta, a porta de entrada para o serviço de saúde1,2.
Diversos países da Europa têm apontado que a APS tem apresentado melhorias nos indicadores de saúde da população, com menores taxas de hospitalizações, redução da desigualdade, maior atenção às pessoas portadores de doenças crónicas, entre outros. De acordo com a OMS, os países que possuem um sistema de saúde baseado no trabalho colaborativo da APS, tende a melhorar seus resultados de saúde, assim como a equidade e longitudinalidade dos cuidados à população1-3.
A Atenção Primária à Saúde (APS) é o primeiro nível de atenção a saúde dos usuários, sustentado de acordo com os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS). A APS realiza diversas práticas integrais em saúde, com a finalidade de atender as necessidades individuais e coletivas da comunidade e tem alcançado resultados positivos, que a destacam em âmbito internacional4,5.
Para uma APS eficiente, efetiva e de qualidade é imprescindível a presença e operacionalização de seus atributos essenciais (acesso de primeiro contato, longitudinalidade, integralidade e coordenação da atenção) e derivados (orientação familiar, comunitária e competência cultural). Uma das formas de verificar os resultados e qualidade da atenção é aferir por meio de métodos a presença e extensão dos atributos da APS, nesse sentido, foi elaborado o instrumento de avaliação da APS, o Primary Care Assessment Tool (PCATool)6,7.
O PCATool é uma ferramenta abrangente, validada em diversos países, com uma grande diversidade de uso para avaliar a APS em várias versões8. Uma nova abordagem para uso do PCATool foi lançada no Canadá, onde foi divulgada uma pesquisa para acompanhamento longitudinal dos serviços de saúde da APS, por meio de painéisde amostras repetidas e comparadas aos mesmos serviços ao longo de 10 anos9.
O reconhecimento da presença e extensão dos atributos é considerado como um referencial avaliativo para a APS em diversos países7. Assim, o PCATool permite avaliar se ações realizadas por um serviço de saúde estão em conformidade, por meio da identificação dos aspectos estruturais e dos processos dos serviços prestados aos usuários, em busca de uma maior qualidade para o planejamento e execução das ações da APS10,11
A Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) estabelecida no Brasil, determina que a educação em saúde com um dos principais eixos estratégicos para a promoção da saúde, com potencial para estimular a transformação das condições de vida e saúde dos usuários. Determina a educação em saúde com uma atribuição comum para todos os profissionais da APS, no entanto, na prática cotidiana dos serviços, a mesma demonstra fragilidades, nota-se um processo de trabalho que reproduz ações verticalizadas, prescritivas e autoritárias. Essa fragilização das práticas educativas resulta no empobrecimento do papel profissional esperado para a APS12,13.
A Educação Permanente em Saúde (EPS) pode contribuir para a superação desse problema, visto que busca qualificar os profissionais através da reflexão crítica sobre a prática e a praxis que se incorpora à reflexão-ação. A Política de EPS propõe a transformação do trabalho por meio de práticas educativas que se apoiam nos conceitos de ensino problematizador e aprendizagem sig nificativa, contrário ao ensino-aprendizagem bancário e mecânico. Nesse contexto, o profissional de enfermagem possui amplo conhecimento para promover a EPS à população, assim como é capaz de avaliar os contextos de adoecimento e saúde das pessoas, sendo este, o profissional com maior aproximação da comunidade e da APS, o que pode contribuir para a promoção da saúde da população em geral14,15.
Frente ao exposto, emerge a hipótese de que as práticas educativas em saúde configuram-se como um fator potencializador para uma melhor avaliação da APS e orientação dos usuários em relação aos atributos da atenção primária. Deste modo, diante da limitação de estudos abordando essa temática, justifica-se a necessidade de avaliar as práticas educativas executadas pelos profissionais da saúde na Atenção Primária, com base na perspectiva dos usuários.
Assim, objetivou-se neste estudo avaliar a qualidade da atenção primária à saúde e sua relação com as práticas educativas sob a ótica dos usuários do sistema único de saúde. Como objetivos específicos foram elencados: caracterizar o perfil sociodemográfico dos usuários atendidos pela atenção primária no município; verificar a presença e extensão dos atributos da atenção primária sob a visão dos usuários; analisar se as práticas educativas em saúde se associam a uma melhor avaliação da atenção primária à saúde.
MATERIAL E MÉTODO
Estudo transversal, descritivo, analítico, realizado no período de maio a agosto de 2018, em unidades básicas de saúde (UBS) de um município do Sudoeste Goiano, Goiás, Brasil, com população estimada de 99.674 habitantes16.
O município constitui-se sede da região de saúde Sudoeste II, referência para dez cidades, tendo como organização da rede de atenção à saúde (RAS), as ações e serviços da APS, por meio da ESF, com 21 equipes, destas 20 são da zona urbana, distribuídas em nove UBS na zona urbana e três UBS na zona rural, com cobertura populacional de 73,83%17.
A amostragem foi probabilística estratificada. O cálculo amostral baseou-se no número da população estimada coberta por cada UBS, considerou-se um desvio padrão de ±1,92 da pontuação do escore geral dos atributos da atenção primária, erro de 0,1 e nível de significância de 0,05, obtendo um total de 785 usuários das UBS, atendidos pelas equipes de saúde da família. Esse número foi dividido proporcionalmente à população de indivíduos elegíveis das UBS participantes (Quadro 1).
A cada período, matutino e vespertino, nas salas de espera das UBS elaborou-se uma lista com os nomes dos usuários, ordenados por ordem alfanumérica crescente e posteriormente realizado sorteio aleatório do número, momento em que os usuários eram abordados. Caso houvesse recusa para a participação do estudo, era realizado novo sorteio para substituição. Ressalta-se que houveram ao todo apenas 10 recusas em participar.
Foram incluídos os usuários com idade maior ou igual a 20 anos, que estavam presentes nas salas de espera das UBS durante o período pesquisado e que não possuíam nenhuma incapacidade física e/ ou psíquica previamente conhecida e declarada que os impedisse de preencher os instrumentos, sendo selecionados de forma aleatória. A faixa etária de corte seguiu o padrão adotado pelo Departamento de Atenção Básica para cadastro individual dos usuários, disponível no Sistema e-SUS. Como critério de exclusão foi estabelecido os participantes que, após selecionados, não concordassem com qualquer uma das etapas propostas no estudo. Ressalta-se que não houve nenhuma exclusão.
As variáveis dependentes são as oriundas do PCATool, onde buscou-se observar se as variáveis sociodemográficas e atividade educativas, comportando-se como variáveis independentes, exerciam alguma relação com os domínios do instrumento. As variáveis sociodemográficas foram divididas em quantitativas: idade (anos), renda familiar mensal (reais) e escolaridade (anos); e qualitativas: sexo (masculino/feminino), raça/ cor da pele (branca, parda, negra, outras), estado civil (solteiro, casado/união consensual, separado/ divorciado ou viúvo), plano de saúde privado (sim/ não), antecedente de internação (sim/não), visita de membros da ESF nos últimos 12 meses (sim/não), autoavaliação do estado de saúde (muito boa, boa, regular, ruim, muito ruim) e autoavaliação positiva do estado de saúde em boa ou muito boa (sim/não).
Foram consideradas variáveis relacionadas à educação em saúde: percepção que AE trazem benefícios à saúde (sim/não), se recebeu AE nos últimos seis meses (sim/não), profissional que realizou AE (médico, cirurgião-dentista, enfermeiro, nutricionista, fonoaudiólogo, fisioterapeuta, técnico em enfermagem, auxiliar de saúde bucal, outros profissionais), AE obrigatórias para obter acesso a ações e serviços (sim/não) e avaliação das AE (muito boa, boa, regular, ruim, muito ruim).
Para a coleta de dados utilizou-se dois instrumentos: primeiro, um questionário contendo variáveis sociodemográficas (quantitativas e quali tativas) dos usuários e variáveis relacionadas às ações de educação e promoção à saúde recebidas nos últimos seis meses, denominadas como, atividades educativas (AE). Considerou-se como AE qualquer prática educativa em saúde realizada no âmbito da atenção primária, seja nas unidades ou na comunidade, com vistas a promoção da saúde e prevenção de doenças, a exemplo de grupos com usuários, palestras, orientação individual ou comunitária, oficinas, entre outros.
O segundo instrumento, trata-se do questionário padronizado validado Primary Care Assessment Tool - PCATool, versão adulto7, composto por 87 itens divididos em 10 componentes que avaliam os atributos essenciais e derivados da APS: 1) Grau de Afiliação com Serviço de Saúde; 2) Acesso de Primeiro Contato: Utilização; 3) Acesso de Primeiro Contato: Acessibilidade; 4)
Longitudinalidade; 5) Coordenação: Integração de Cuidados; 6) Coordenação: Sistema de Informações; 7) Integralidade: Serviços Disponíveis; 8) Integralidade: Serviços Prestados; 9) Orientação Familiar; e 10) Orientação Comunitária.
As respostas às questões do instrumento são estruturadas em uma escala do tipo Likert, com escores de 1 a 4 para o cada atributo (1= com certeza não, 2= provavelmente não, 3= provavelmente sim, 4= com certeza sim, 9= não sei/não lembro). Os escores de cada atributo são produzidos por meio da média aritmética simples dos itens que compõem cada atributo ou seu componente. É esperado que os usuários alcancem escores > 6,6 o que reflete uma maior orientação é considerado alto escore de APS7. Em seguida, foram aplicados os cálculos dos escores referentes a cada um dos componentes relacionados com os atributos da APS presentes no PCATool-Brasil.
Ressalta-se que os instrumentos foram submetidos à avaliação de 5 especialistas da área, recebidas as contribuições e previamente testados por estudo piloto realizado com 10 participantes que não fizeram parte do presente estudo. Os participantes não apresentaram nenhuma dificuldade no preenchimento e foi obtido um alfa de Cronbach 0.78, o que denotou boa confiabilidade interna.
Os dados do estudo foram coletados pela equipe de pesquisadores devidamente treinada no preenchimento dos instrumentos. A equipe se dividiu em duplas em doze UBS participantes e permaneceu por todo o período em horário comercial. Os usuários presentes eram sorteados aleatoriamente e convidados a participar do estudo, sendo conduzidos a um consultório específico para manutenção da privacidade, assinatura do TCLE e respostas aos questionários.
Como a equipe esteve no local durante todo o tempo e realizava-se a conferência dos questionários após cada resposta, quando identificados dados ausentes, estes eram solicitados para que fossem completados, logo, para a análise não houveram dados ausentes na planilha.
Os dados foram analisados no programa STATA, versão 14.0. Foi realizado o teste de Kolmogorov-Smirnov com correção de Lillifors para verificação da normalidade das variáveis quantitativas do estudo18. A seguir, foi realizada análise descritiva das variáveis. As variáveis qualitativas foram apresentadas como frequência absoluta e relativa e as quantitativas como média e desvio-padrão (DP), mediana, intervalo interquartil (IIQ), mínimo e máximo. Todas as medidas foram acompanhas dos respectivos intervalos de confiança de 95% (IC 95%).
Para a análise da confiabilidade e consistência interna do instrumento aplicou-se dois testes. Para análise da consistência interna utilizou-se o coeficiente de alfa de Cronbach padronizado em cada período de avaliação. Valores > 0,7 sugerem boa confiabilidade interna. Para análise de consistência também adotou-se o coeficiente de correlação intraclasse (CCI). Valores inferiores a 0,5, entre 0,5 e 0,75, entre 0,75 e 0,90 e > 0,90 são indicativos de confiabilidade pobre, moderada, boa e excelente, respectivamente19,20.
Para verificar os fatores associados aos atributos da atenção primária realizou-se análises bivariadas e múltiplas. Na análise bivariada, utilizou-se os testes t de student, para amostras independentes ou análise de variância (ANOVA) para comparar os escores médios dos atributos entre as variáveis nominais e ordinais. Para avaliar a relação entre as variáveis ordinais e quantitativas utilizou-se análise de correlação de Pearson (r). Valores de r foram classificados: perfeita (+1), muito forte (+0,80 1,00); forte (+0,60-0,79), moderada (+0,40-0,59), fraca (+0,20-0,39) e bem fraca (+0,00-0,19)20.
A seguir, foi realizada análise de regressão linear múltipla, método stepwise, tendo como variáveis dependentes os atributos da atenção primária. Foram incluídos nos modelos de regressão variáveis com p-valor < 0,20 e sexo, idade e escolaridade como potenciais variáveis confundidoras. A regressão linear múltipla permite o ajuste de potenciais variáveis de confusão, obtendo associações mais confiáveis21. Em todas as análises, valores de p< 0,05 foram considerados estatisticamente significantes.
O presente estudo atendeu os preceitos éticos da Resolução CNS n° 466/2012, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Goiás, sob n. 2.504.194/2018.
RESULTADOS
A análise descritiva das variáveis sociodemográficas e variáveis relacionadas à educação em saúde estão descritas na Tabela 1.
Os resultados apontaram que a maioria dos participantes é do sexo feminino (80,3%), idade média de 43,3 anos (±15,1), raça/cor parda (57,1%), solteiros (63,3%), 90,7% declararam não possuir plano de saúde privado, 83,2% negam internação hospitalar prévia nos últimos doze meses, mais da metade dos usuários não receberam visita de nenhum membro da ESF no último ano (57,3%), 55,7% referem uma autoavaliação positiva do estado de saúde e renda familiar mensal média de R$ 1.757,80 (±1.102,80), sendo que em 2018 o salário mínimo correspondia a R$ 954,00.
Quanto às variáveis relacionadas à educação em saúde da Tabela 1, 92,2% percebem que as atividades educativas (AE) trazem benefício à saúde, entretanto, apenas 21,9% participaram de alguma atividade educativa nos últimos seis meses.
En Tabela 2, 50,6% referem o cirurgião-dentista como responsável pela AE, seguido do enfermeiro (36,6%). Dos participantes das AE, 64,5% referem obrigatoriedade da participação como condição para ingressar em um serviço ou obter acesso a algum tratamento ofertado pela ESF.
A Tabela 3 apresenta a estatística descritiva e a confiabilidade interna dos escores dos atributos da APS. Observa-se que nenhum dos atributos atingiu o ponto de corte, portanto, obtiveram escore médio baixo, destacando os escores dos atributos: acesso de primeiro contato-acessibilidade: média 3,2 (±0,9), integralidade dos serviços prestados: 3,2 (±2,1) e orientação comunitária: 3,1 (±2,0). Considerando um ponto de corte de 6,6, a prevalência de escore médio baixo para o escore essencial foi de 93,0% (n= 730; IC 95%: 91,0-94,6) e para o escore geral de 94,6% (n= 743; IC 95%: 92,8-96,0), abaixo do satisfatório.
A Tabela 4 mostra a análise bivariada dos potenciais fatores associados ou correlacionados aos atributos "grau de afiliação", "acesso de primeiro contato-utilização", "acesso de primeiro contato-acessibilidade", "longitudinalidade" e "coordenação-integração de cuidado" na percepção dos usuários. Verificou-se correlação positiva bem fraca entre idade e escores nos atributos "acesso de primeiro contato-utilização" (r= 0,119; p= 0,001) e "longitudinalidade" (r= 0,081; p= 0,023). Por outro lado, correlação negativa bem fraca foi observada entre idade e o atributo "acesso de primeiro contato-acessibilidade" (r= -0,113; p= 0,002). Es-colaridade apresentou correlação positiva bem fraca com o atributo "acesso de primeiro contato-acessibilidade" (r= 0,136; p < 0,001).
Tabela 1 Variáveis sociodemográficas e relacionadas à educação em saúde. Jataí, GO, Brasil, 2018 (n= 785).

Tabela 2 Variáveis sociodemográficas e relacionadas à educação em saúde. Jataí, GO, Brasil, 2018 (n=172).

Tabela 3 Análise dos atributos da atenção primária à saúde na percepção dos usuários. Jataí, GO, Brasil, 2018 (n=785).

Tabela 4 Fatores relacionados aos atributos: afiliação, acesso de primeiro contato utilização e acessibilidade, longitudinalidade e integração de cuidado. Jataí, GO, Brasil, 2018 (n= 785).

Ainda, correlação negativa bem fraca foi observada entre renda e os atributos "grau de afiliação" (r= -0,086; p= 0,016), "acesso de primeiro contato-utilização" (r= -0,111; p= 0,002) e "longitudinalidade" (r= -0,076; p= 0,026). Correlação negativa fraca foi verificada entre renda e "coordenação-integração de cuidado" (r= -0,247; p < 0,001).
A Tabela 5 mostra a análise bivariada dos po tenciais fatores associados ou correlacionados aos atributos "coordenação-sistemas de informação", "integralidade-serviços disponíveis", "integrali-dade-serviços prestados", "orientação familiar" e "orientação comunitária" na percepção dos usuários. Verificou-se correlação negativa bem fraca entre idade e escores nos atributos "integralidade-serviços disponíveis" (r= -0,109; p= 0,001) e positiva bem fraca nos atributos "integralidade-serviços prestados" (r= 0,091; p= 0,008) e "orientação comunitária" (r= 0,106; p= 0,003). Escolaridade apresentou correlação positiva bem fraca com o atributo "coordenação-sistemas de informação" (r= 0,080; p= 0,025), "integralidade-serviços disponíveis" (r= 0,130; p < 0,001) e "orientação familiar" (r= 0,079; p= 0,027) e correlação negativa bem fraca com o atributo "orientação comunitária" (r= -0,073; p= 0,040).
Realizadas as tentativas de ajustes do modelo de regressão múltipla pelo método de stepwise, não foi possível ajustar um modelo que conseguisse predizer com significância as variáveis do instrumento do PCATool.
DISCUSSÃO
Observou-se baixo grau de orientação à APS para todos os atributos, em especial para o acesso de primeiro contato, integralidade-serviços prestados e orientação comunitária, o que pode ser observado em outras pesquisas nacionais e internacionais, que demonstraram resultados similares, indicando que a presença e extensão não são adequadamente expressas pelos usuários6,22,23.
O atributo melhor avaliado foi coordenação-sistema de informações, seguido pelo acesso de primeiro contato-utilização. O primeiro atributo indica a capacidade do serviço de APS em garantir a continuidade da atenção no interior da RAS, assim, a disponibilidade da informação sobre o usuário nos pontos da rede, através do prontuário, é essencial para a coordenação da atenção23. A resposta quanto à disponibilidade do prontuário durante a consulta foi fator relevante para a melhor avaliação do atributo. Em estudo realizado em Curitiba com médicos e enfermeiros, esse atributo obteve alto escore com melhores mensurações, os autores atribuem à avaliação positiva, o uso de sistema informatizado na rede assistencial, o que aponta a necessidade de investimento na informatização das UBS20.
O atributo acesso de primeiro contato-utilização, é responsável por aferir a procura e o quanto o usuário prioriza o serviço de APS. A análise associada à raça demonstrou que os indivíduos de cor branca avaliam melhor esse atributo em relação aos que se declararam pretos, isso pode ser explicado pela desigualdade racial no acesso aos serviços de saúde24.
Quando consideradas as variáreis relacionadas à educação em saúde, nota-se que os usuários que participaram de AE nos últimos seis meses apresentaram avaliação inferior dos atributos coordenação-sistema de informações e acesso de primeiro contato-utilização, em relação àqueles que não participaram.
As estratégias educativas possuem potencial para melhorar a atenção à saúde dos usuários, fortalecendo o acesso ao orientar os usuários acerca da utilização correta do serviço e das portas de entrada do sistema, bem como promover uma melhor integração das ações ofertadas na APS; nesse sentido, espera-se a adoção de práticas reflexivas e dialogadas pela ESF a fim de superar as práticas educativas verticalizadas e descontextualizadas. Para uma práxis inovadora que se incorpora à reflexão-ação, a EPS revela-se como o melhor caminho para transformação das práticas de saúde, de forma que a promoção e a educação em saúde sejam efetivadas na reorganização do processo de trabalho das equipes de ESF de forma real e visível15,25.
Usuários com percepção de que as AE podem trazer benefício à saúde avaliaram melhor os atributos longitudinalidade e integralidade-serviços disponíveis, quando comparados aos que não percebem benefício das AE, assim como os usuários que participaram de AE nos últimos seis meses, que apresentaram melhor avaliação para o atributo grau de afiliação em relação aos não participantes.
Tabela 5 Fatores relacionados aos atributos: sistemas de informação, serviços disponíveis, serviços prestados, orientação familiar e orientação comunitária. Jataí, GO, Brasil, 2018 (n= 785).

A longitudinalidade representa a capacidade de uma equipe acompanhar um indivíduo no processo existencial. A relação da comunidade e sua fonte habitual de atenção deve se refletir em uma troca interpessoal intensa que exprima a confiança mútua entre esses atores26. O grau de afiliação é um componente de estrutura do atributo longitudinalidade e reflete o quanto o paciente se sente pertencente ao serviço27.
A relação entre longitudinalidade e percepção positiva das AE é explicada pela construção de vínculo entre usuários e profissionais, desenvolvida a partir das práticas educativas em saúde. O resultado aponta a relevância de promover AE capazes de produzir relações interpessoais que expressam a confiança mútua entre os sujeitos, aumentando o grau de satisfação dos usuários e melhora no estado de saúde.
Usuários que vivenciam as AE no âmbito da APS e as percebem como importantes, possuem uma visão ampliada da disponibilidade de recursos nas UBS, se identificam com o serviço e o profissional de saúde que se torna uma referência para seus cuidados, configurando uma relação de vínculo, visto que as atividades educativas em grupos facilitam a vinculação e produção de autonomia dos pacientes25,28.
O estudo demonstrou insuficiência nas práticas educativas, com baixa participação de usuários, demonstrando que essas atividades são incipientes e pouco priorizadas pelas equipes de ESF. Esses achados caminham na contramão da PNAB, que estabelece que as ações de educação em saúde à população adstrita seja atribuição comum a toda equipe de ESF, sendo imprescindíveis para continuidade do cuidado12.
Dentre os participantes das AE, mais da metade referem obrigatoriedade da participação como condição para ingressar em um serviço ou obter acesso a algum tratamento ofertado pela ESF, revelando uma manutenção do caráter impositivo e coercitivo das AE. A investigação constatou que as AE não se apresentam como prioridade na agenda profissional, nota-se um processo de trabalho que reproduz ações verticalizadas, marcadas pela transmissão do saber; tais atividades são: palestras de planejamento familiar, obrigatória para obter acesso à esterilização cirúrgica; reuniões e palestras para os beneficiários do Programa Bolsa Família; AE como pré-requisito para ações de saúde bucal.
Em relação aos profissionais que conduziram as AE, o cirurgião dentista foi apontado como o principal profissional, isso se deve à organização dos serviços municipal de saúde bucal da APS, cuja presença na palestra programada é condição para o acesso e tratamento. A transformação das práticas educativas constitui um desafio para o sistema de saúde, tendo em vista, que o modelo vigente possui herança historicamente hegemónica, centrado no modelo curativista, verticalizado, com enfoque reducionista e mecanicista, aonde as práticas educativas em saúde tendem a reduzir-se a atividades preventivas, de cunho meramente informativo e coercitivo24,25.
Outra variável significativa foi a visita domiciliar, atribuição comum aos membros da equipe de ESF12, impactou positivamente a avaliação dos usuários em sete dos dez atributos, destacando como mais elevados os resultados dos atributos: acesso de primeiro contato-utilização, coordenação-sistemas de informação, coordenação-integração de cuidados, integralidade-serviços disponíveis e longitudinalidade. Estudos evidenciaram a importância da visita domiciliar no estabelecimento de vínculo com os usuários, possuindo condição estratégica para garantir a integralidade das ações, pois possibilita uma maior proximidade e responsabilização da equipe com as necessidades de saúde das pessoas, possibilitando a concretização dos princípios básicos da APS: integralidade, acessibilidade, coordenação e longitudinalidade12,29.
A visita domiciliar pode se configurar como espaço para a realização de práticas educativas em saúde, que promovam mudanças a partir do pensar e do fazer dos sujeitos por meio de uma práxis transformadora. Além disso, pode ser utilizada como ferramenta capaz de identificar a situação de risco e vulnerabilidade dos pacientes30,31.
As limitações deste estudo referem-se à organização e estrutura da APS no município estudado, tendo em vista, a baixa cobertura de ACS e ausência de processo de territorialização e adscrição definidos, assim, o mesmo paciente percorre várias UBS para obter acesso, não havendo afiliação e vinculação com a equipe de ESF de referência.
Ressalta-se ainda como fatores limitantes a falta de profissionais capacitados e a ausência de estímulos governamentais no país para capacitações dos usuários com necessidades especiais, dentre elas usuários com incapacidade visual, auditiva, dentre outras, o que não permite generalizar os achados desse presente estudo, comprometendo sua validade externa.
CONCLUSÃO
As atividades educativas se mostraram insuficientes para determinar escores alto ou próximos do ponto de corte, entretanto, usuários que vivenciaram as práticas educativas em saúde avaliaram melhor alguns atributos em relação aos que não participaram, dessa forma, as AE apontam um caráter transformador capaz de associar a uma melhor avaliação da APS.
As ações de educação e promoção da saúde não são priorizadas pelas equipes de ESF em relação às práticas assistenciais tradicionais de tratamento e de reabilitação, funções administrativas e gerenciais dos profissionais de saúde. Essa limitação se evidencia pelo baixo percentual de usuários que participaram de atividades educativas nos últimos seis meses.
Dentre as implicações, abordou-se a avaliação da APS correlacionada com variáveis de educação em saúde, confirmando a hipótese de que essa associação é capaz de produzir resultados positivos nesse nível de atenção. Contudo, ainda há muito a se produzir com o propósito de estabelecer os efeitos dessa relação nos serviços de APS a nível regional e nacional, buscando proporcionar comparações entre os desempenhos da APS que adota práticas libertadoras e emancipatórias de educação em saúde.