INTRODUÇÃO
As Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde (IRAS) apresentam impacto nas instituições, tanto públicas quanto privadas. Esse problema de saúde global é definido como uma infecção que acomete o paciente durante o processo de internação ou após a alta hospitalar ou unidade de cuidado. A Organização Mundial de Saúde (OMS) transparece preocupação com esse tema1.
As IRAS são reconhecidas como o evento adverso que mais ocorre durante o processo de internação. Baseado em dados variados, podese perceber que esse problema ocorre em meios gerais, porém apresenta maior destaque em países subdesenvolvidos. Esse fato associa-se, por exemplo, as condições de higiene precárias e infraestrutura inadequada2. É fato reconhecido que as infecções afetam de modo considerável os custos durante a internação, assimilado com a prolongação do tempo de internação e maior taxa de morbidade e a mortalidade nos serviços de saúde3.
Pneumonia, infecção de trato urinário, infecção de corrente sanguínea e infecções cirúrgicas são infecções comumente encontradas nos serviços de saúde. A patogênese da pneumonia, por exemplo, engloba o contato entre patógeno, hospedeiro e variáveis epidemiológicas que proporcionam a ocorrência da infecção3.
Um agravante na ocorrência das IRAS se dá por meio da infecção cruzada entre pacientes, que ocorre principalmente pelas mãos dos trabalhadores de saúde. Preocupados em combater esse problema os órgãos de saúde apresentam estratégias como as Medidas de Prevenção de Infecção que são realizadas de forma a aperfeiçoar o cuidado e evitar a proliferação de microrganismos no ambiente. Dentre as diversas estratégias recomendadas pelos manuais oferecidos, destaca-se, com grande ênfase, a higienização das mãos, bem como a remoção de anéis, relógios e outros adornos presentes durante o contato com o paciente3. Essa recomendação se deve ao fato de que a transmissão de microrganismos multirresistentes ocorre principalmente através das mãos dos profissionais de saúde. Ao entrarem em contato com o paciente as mãos se tornam progressivamente colonizadas, colaborando como um veículo na disseminação de microrganismos no ambiente hospitalar e na comunidade4.
Com relação à utilização de adornos por profissionais de saúde, destaca-se que a não remoção desses acessórios no ambiente de trabalho acarreta em aumento na contagem bacteriana nas mãos, perfuração nas luvas de procedimento e contaminação do acessório5. Embora exista uma recomendação, da parte dos órgãos de saúde, para de remoção dos adornos no ambiente hospitalar, o habito de uso desses acessórios, pelos trabalhadores, ainda é bastante considerável. Um estudo que avaliou a frequência da utilização de joias por trabalhadores de saúde revelou que 43% dos participantes portavam uma ou várias peças de joalheria no ambiente de trabalho6.
A maioria dos estudos realizados neste contexto foram direcionados à utilização de anéis, pois acredita-se que eles aumentam a probabilidade de transferência de microrganismos e que o tecido epitelial recoberto pelo anel fique contaminado mesmo após a higienização das mãos. Pesquisadores examinaram vários procedimentos de higienização das mãos e anéis e constataram que quanto mais as mãos com anéis eram higienizadas com uma escova de limpeza sob água corrente, mais bactérias eram removidas7.
Em estudo que avaliou o uso de diversos agentes no procedimento de higienização das mãos, constatou-se que não houve diferença significativa no número de bactérias entre mãos e mãos sem anéis nos grupos que usaram álcool ou solução álcool-clorexidina. No entanto, para o grupo Iodopovidona, o número de bactérias nas mãos com anéis foi maior quando comparado com mãos sem anéis8.
No entanto, as evidências científicas resultantes de estudos a respeito do uso de anéis revelaram pouco controle das variáveis, o que coloca em risco a qualidade das informações obtidas. Além disso, as amostras estudadas foram pequenas, algumas pesquisas utilizaram técnicas de coletas sem controle de suas variáveis, não permitindo inferir com exatidão se o anel propiciou maior meio de proliferação de microrganismos9-11. É preciso considerar a cultura que abrange a utilização de adornos por trabalhadores da saúde e destacar que apesar do uso de joalheria no ambiente de trabalho ser desencorajada pelas instituições e pelos órgãos de saúde, a utilização desses objetos ainda é bastante frequente nas instituições de saúde, incluindo os hospitais6.
Considerando que muitos profissionais utilizam anéis no ambiente de trabalho e que a prevenção das IRAS é uma prioridade nas instituições de saúde, bem como a manutenção e segurança da integridade de saúde do trabalhador o objetivo dessa pesquisa foi sumarizar as evidências científicas sobre as características microbiológicas de mãos e anéis de trabalhadores de saúde.
MATERIAL E MÉTODO
Trata-se de uma Revisão Integrativa da Literatura, método que proporciona uma síntese de diversos resultados de diferentes pesquisas sobre a mesma temática, revelando as evidências científicas disponíveis sobre um assunto comum12.
Uma questão norteadora de pesquisa foi formulada inserindo a identificação de palavras essenciais com o intuito de detectar os estudos primários disponíveis nas bases de dados, sendo ela:
¿Quais as características microbiológicas das mãos e anéis de trabalhadores de saúde?
Com o objetivo de organizar as estratégias de identificação, seleção e inclusão dos estudos dentro dos critérios de elegibilidade propostos, foi utilizado como base o fluxograma Preferred Reporting Items for Systematic Reviews andMeta-Analyses (PRISMA) 12 que possibilita otimizar o relato de revisões sistemáticas e meta-análises por meio de um check list com 27 itens e um fluxograma de quatro etapas que norteiam o segmento da revisão.
Como critério de eleição dos estudos incluídos foram selecionados artigos publicados nos últimos 20 anos e disponíveis na íntegra, que abordam características microbiológicas de amostras colhidas de mãos e anéis de trabalhadores de saúde. Os idiomas considerados foram: português, inglês, espanhol e francês.
As bases de dados selecionadas para essa revisão foram: Web of Science (WOS) PubMed, Scopus, EMBASE, Biotechnology and BioEngineering Abstracts, Integrity, Cinhal, Biblioteca Virtual de Saúde (BVS) e Coleção SciELO.
Os descritores e palavras chave utilizados na busca foram aplicados de acordo com particularidades de cada base de dados e obtidos por consulta nos Descritores de Ciências em Saúde (DeCS) e Medical Subject Headings (MeSH). Durante a busca os descritores foram cruzados entre si com o uso do booleano "AND". Os descritores foram inseridos na língua inglesa, pois todas as revistas indexadas nessas bases apresentam em seus artigos descritores em inglês. A busca foi realizada em julho de 2018. O quadro 1 mostra os descritores utilizados nesse estudo, sintetizando a forma como a busca foi realizada.
Ao término do procedimento de busca os artigos originais foram selecionados por meio de leitura de título e resumo. Foram destacados para leitura do artigo na integra aqueles que se apresentaram originais disponíveis nas bases de dados ou na Biblioteca Virtual selecionada, em acesso online aberto, em português, inglês, espanhol ou francês. No procedimento de leitura dos textos completos de cada artigo, foram eleitos os estudos que responderam à pergunta de investigação. Após esse processo, foram excluídas as publicações que não estavam de acordo com os critérios de seleção já mencionados, que não responderam à pergunta de investigação e que estavam em duplicata, bem como, artigos de opiniões, reflexão teórica, teses, dissertações e capítulo de livro. O processo de seleção dos estudos foi realizado por dupla leitura, em caso de desacordo entre os pesquisadores um terceiro leitor, especialista na temática realizou o desempate. A Figura 1 apresenta o fluxo de informação com as diferentes fases da revisão efetuada. Adaptado do modelo PRISMA13.
Para a organização dos dados foi utilizado um instrumento adaptado do Formulário da Red de Enfermería em Salud Ocupacional (RedENSO Internacional)14, utilizado em diversos estudos14. Os tópicos destacados foram: Título, Ano, Pais, Nível de evidência, Revista, Volume, Base de dados, Idioma, Local, Autor, Amostra, Objetivo, Método de coleta e análise das amostras, Resultados e Conclusão.
Os Níveis de Evidência (NE) considerados nesse estudo foram: nível 1 - estudos com desenho metodológico de meta-análise ou revisões sistemáticas; nível 2 - ensaios clínicos randomizados controlados; nível 3 - ensaios clínicos sem randomização; nível 4 - estudos de coorte e caso-controle; nível 5 - revisões sistemáticas de estudos descritivos e qualitativos; nível 6 - estudos descritivos ou qualitativos; e nível 7 - opinião de especialistas15.
RESULTADOS
Sete artigos atenderam aos critérios de elegibilidade e responderam à questão de pesquisa dos quais foram caracterizados levando em consideração o título, autores, ano, Nível de Evidência (NE), objetivo e tipo de estudo das publicações incluídas nessa revisão (Quadro 2). Os estudos foram publicados nos anos de 20079, 200816, 200917, 201118,19,20 e 201511. No que diz respeito ao local de realização dos estudos, evidenciou-se que foram desenvolvidos na Noruega9,17,18, Turquia16, India11,20 e Irã19.
As pesquisas incluídas nessa revisão avaliaram as características microbiológicas das mãos e anéis de profissionais da saúde. Alguns estudos compararam trabalhadores que utilizavam anéis com um grupo que não os usavam, sendo estes estudos de caso controle considerados de quarto nível de evidência9,11,16,17. Enquanto estudos transversais, de sexto nível de evidencia, avaliaram somente um grupo18-20.
Com relação a amostra abordada pelos pesquisadores, tratavam-se de profissionais de saúde de diversas categorias, como médicos9,18-20, enfermeiros9,16,18-20, auxiliares de enfermagem9,18,19, flebotomistas9,18, fisioterapeutas9,18profissional de radiologia18, maqueiros19 e dentistas11, cujo aspecto comum entre elas é a possibilidade de infecção cruzada.
Para obtenção de culturas de mãos e anéis foram utilizadas técnicas de “suco de luva”9,16-18 e Swabs11,19,20.
Após a cultura e análise microbiológica das mãos e anéis dos profissionais de saúde, alguns estudos revelaram que existe maior número de microrganismos nas mãos de profissionais que utilizam anéis quando comparados aos que não utilizam16,18,21, porém outros estudos revelaram não haver diferença estatística significante quando comparado as mãos com e sem anéis9,18.
Os microrganismos encontrados nas amostras obtidas foram diversos. Com relação as bactérias detectadas, observou-se que Staphylococcus aureus (S. aureus) apresentou uma predominância de 85% dos estudos avaliados9,11,16,18-20. Ainda observando as bactérias gram-positivas detectou-se a presença de Enterococcus spp11,16 e Staphylococcus epidermidis11. Bactérias gram-negativas também foram visualizadas durante análise, com maior
isolamento de enterobactérias11,16-20, dentre essas enterobactérias houve uma predominância de Klebsiella spp(16,19, 20) e Escherichia coli11,16,20. Algumas pesquisas também detectaram a presença de fungos em suas amostras, com prevalência de Candida albicans11,19,20.
DISCUSSÃO
Os estudos analisados nessa revisão apresentam abordagem metodológica similar. Na análise microbiológica das mãos e anéis de profissionais da saúde, constatou-se que grande parte das pesquisa selecionaram amostras de profissionais de saúde específicos, em que as principais categorias profissionais estudadas foram médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem, possivelmente por estarem diretamente, e por maior período, em contato com os pacientes durante a prestação da assistência de saúde e por isso considerados os principais agentes de transmissão de microrganismo no ambiente de saúde.
Alguns estudos foram direcionados a detecção de microrganismos nas mãos, narinas, jalecos e acessórios desses profissionais22-24. Um estudo recente, que avaliou a taxa de colonização dos aparelhos celulares de trabalhadores de uma unidade de terapia intensiva, antes e após o turno de trabalho, constatou que todos os telefones celulares dos trabalhadores da unidade estavam colonizados por microrganismos, mesmo antes do turno de trabalho e independentemente da microbiota dos pacientes. Os microrganismos mais comuns foram Estafilococos Coagulase-Negativos, Bacillus spp. e Staphylococcus aureus resistente à Meticilina (MRSA)25.
Atentando para os procedimentos microbiológicos é importante levar em consideração as técnicas abordadas para coleta de material microbiológico nas pesquisas analisadas. A técnica de "suco de luvas", que prevalece nesses estudos, consiste na inserção da mão em uma luva ou saco estéril contendo um meio nutritivo específico, a mão é massageada por um tempo determinado e logo após é realizada a análise microbiológica do caldo proposto. Trata-se de uma técnica bastante utilizada por pesquisadores que desejam obter resultados de amostras das mãos26. As demais pesquisas utilizam a técnica de coleta por meio de swabs, outro método comum para estudos em microbiologia24,27.
Com relação aos microrganismos predominantes encontrados nos estudos, percebe-se que S. aureus aparece com grande ênfase nas amostras obtidas. Esses microrganismos são, com frequência, encontrados no ambiente hospitalar e também são considerados comuns na pele da população. Contudo é indispensável associar esses microrganismos como agentes causadores de infecção nosocomial28. Pesquisadores determinaram a taxa de portadores nasais de MRSA comparando os perfis de suscetibilidade antimicrobiana de Staphylococcus aureus sensíveis à Meticilina (MSSA) em um Pronto Socorro PS de Hospital Universitário da Unganda; esse estudo demonstrou uma alta taxa de portadores nasais de S. aureus (28,8%), dos quais 46% eram fenotipicamente MRSA e 28,6% genotipicamente MRSA29.
Ainda dentre os microrganismos isolados nas pesquisas inseridas na revisão, deve-se atentar para a presença de enterobactérias, também muito comuns no ambiente hospitalar. Estudos recentes demonstram a presença de bactérias gram-negativas colonizando profissionais de saúde, dentre elas incluem-se enterobactérias multirresistentes aos antimicrobianos30,31.
No que diz respeito à presença de fungos encontrados nas mãos e anéis de trabalhadores é importante considerar que evidências apontam para a presença de fungos como Candida glabrata colonizando mãos e aventais de trabalhadores de saúde32. Embora Candida parapsilosis e Candida glabrata apresentem menos fatores de virulência dentre as espécies não albicans, ainda apresentam maior taxa de mortalidade do que a mesma. A presença de Candida albicans apresenta predominância nessa revisão, nesse cenário, Rosenthal33 revela a presença comum desse fungo contaminando as mãos de trabalhadores de uma Unidade de Terapia Intensiva.
Nesse aspecto é comprovado que a higiene das mãos reduz consideravelmente a quantidade tanto bactérias como fungos. Embora a adesão a essa prática ainda seja baixa34,35. No Brasil, um estudo realizado em Unidades de Terapia Intensiva constatou que a taxa de adesão às práticas de higienização das mãos foi maior entre profissionais da enfermagem e fisioterapeutas e menor entre os técnicos de enfermagem36.
No que diz respeito à limitação deste estudo, considera-se que o número de artigos inseridos é inferior ao esperado, isso pode estar associado ao fato de que essa pesquisa utilizou apenas dados primários durante a busca e nesse caso a análise pode apresentar certa subjetividade. Por outro lado, os resultados desta pesquisa possibilitam o aprofundamento de novos estudos a partir de variáveis identificadas principalmente no que se refere a robustez metodológica e o tipo agentes microbiológicos.
CONCLUSÃO
Por meio desta revisão foi possível concluir que os principais microrganismos encontrados nas mãos e anéis de trabalhadores de saúde foram bactérias gram positivas como S. aureus, Enterococcus spp e S. epidermides, seguidos por bactérias gram negativas como Klebsiella spp e E. colli. Fungos também foram detectados com predominância de cândida albicans. É importante conhecer a contaminação presente nas mãos e anéis dos profissionais que atuam no contato direto com o paciente. Desse modo não foi possível constatar com exatidão se o uso de anéis foi o responsável pelo aumento na quantidade dos microrganismos presentes nas mãos dos profissionais de saúde. Assim, novas pesquisas são necessárias para que melhores barreiras possam ser estabelecidas para evitar infecções cruzadas e para apoiar, com maior evidência, as políticas de segurança e as normas legais de proteção e segurança ocupacional para os profissionais de saúde expostos a microrganismos.