INTRODUÇÃO
Atualmente, mais de meio milhão de mulhe res morrem todos os dias, no mundo todo, por causas relacionadas ao ciclo gravídico-puerperal1. Destas mortes, aproximada mente 99% ocorrem em países em desen volvimento, sendo um evento raro em países desenvolvidos. De acordo com os dados for necidos pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, em 2000 as taxas de mortalidade materna nas regiões em de senvolvimento (440/100.000 nascidos vivos) foram 20 vezes maiores que nas regiões de senvolvidas (20/100.000 nascidos vivos)2.
No Brasil, a razão de mortalidade materna apresentada oficialmente é de 64,8/100.000 nascidos vivos (nv)3, com piores indica dores nas regiões Norte (77,8/100.000 nv) e Nordeste (80,8/100.000 nv)4. No entanto, a real magnitude da mortalidade materna permanece desconhecida, com estimativas que variam de 38 a 87/100.000 nascidos vi vos, entretanto sabe-se que 15% das gesta ções apresentam complicações durante o ciclo grávido-puerperal e que parte destas evoluirão para óbito(5, 6), sendo fundamen tal a avaliação da morbidade materna com o objetivo de desenvolver estratégias para pre venção do desfecho mais grave. Ainda, pela ocorrência mais frequente da morbidade em relação à morte materna, considera-se que este estudo ofereça informações consistentes, uma vez que as próprias mulheres sobrevi ventes podem ser uma valiosa fonte de infor mação7.
Ao longo dos anos, classificações distintas foram utilizadas para descrever as compli cações severas do ciclo gravídico-puerperal, como morbidade materna, morbidade extre ma, near miss e morbidade obstétrica5. Re centemente a Organização Mundial da Saúde (OMS) estabeleceu a definição de morbidade materna, sendo o termo morbidade extre mamente grave/near miss como a "uma mu lher que quase morreu, mas que sobreviveu a uma complicação que ocorreu durante a ges tação, parto ou dentro de 42 dias do término da gravidez" (8).
No presente estudo utilizou-se a defini ção de morbidade materna grave proposta pela Organização Mundial de Saúde9, que considera um evento de morbidade severa em mulheres durante a gestação, parto ou pós-parto, classificada como uma condição potencial de ameaça a vida, incluindo, he morragia, hipertensão ou outras alterações sistêmicas. O estudo da morbidade materna grave em um hospital de referência nacional possibilita instrumentalizar mudanças no modelo de assistência à mulher e sua famí lia, para poder atingir a maternidade segura no país. Além disso, contribui na redução de barreiras que as impedem de acessar os ser viços de saúde e na adoção de medidas pre ventivas da morbidade materna grave/near miss em diversos níveis, ao identificar suas características e condições clínicas mais fre quentes, importantes para o enfrentamento da morbimortalidade materna no Brasil.
Progredindo para a investigação dos fatores associados à morbidade materna, al guns estudos apontam como principais fatores de risco a idade materna, a cor da pele não-branca, a exclusão social, a presença de hipertensão, o antecedente de aborto e fatores obstétricos diretos como hemorragia pós-parto, indução do parto e a realização de cesariana10. Entre o grande número de fatores associados que são investigados em pesquisas sobre morbidade materna, além da idade acima dos 35 anos, permaneceram como fatores de risco o relato de hipertensão prévia à gestação, ter antecedente de aborto e ter feito menos consultas de pré-natal do que o mínimo recomendado pelo Ministério da Saúde. Em diferentes estudos, as princi pais causas de morbidade materna foram pré-eclâmpsia e eclâmpsia, hemorragia no período pós-parto, sepse puerperal, aborto e trabalho de parto obstruído. No entanto, a incidência de cada um destes eventos varia entre os países e mesmo entre regiões de um mesmo país e o resultado final, está associado aos recursos disponíveis11.
O monitoramento de complicações obsté tricas tem se mostrado relevante para avaliar tendências na qualidade da assistência em estudos em países em desenvolvimento10. Considera-se que este é um estudo que con tribuirá para a construção do conhecimento em enfermagem, pois permite a identificação das situações predisponentes para a morbidade materna grave e seus desdobramentos, trazendo benefícios para as mulheres no pe ríodo reprodutivo e suas famílias. Além de esta pesquisa estar fundamentada na huma nização, gênero, maternidade segura, direitos reprodutivos e a integralidade do cuidado.
Este estudo têm como hipóteses (a) as sín dromes hipertensivas e transtornos hemo rrágicos serem as principais causas para as mulheres desenvolverem morbidade mater na grave; (b) e os principais fatores de risco da morbidade materna serem a idade mater na avançada, a exclusão social, hipertensão prévia à gestação, o antecedente de aborto e ter realizado menos consultas de pré-natal do que o mínimo recomendado pelo Minis tério da Saúde. Nessa perspectiva o estudo teve como objetivo identificar os aspectos sociodemográficos, obstétricos e de saúde de mulheres com experiência de morbidade materna grave.
MATERIAL E MÉTODO
Trata-se de um estudo descritivo e transver sal. Realizado em um hospital de referência de nível terciário de atenção em um municí pio do interior do estado de São Paulo.
Participaram deste estudo, mulheres que preenchiam os critérios de morbidade ma terna grave (9), hospitalizadas no serviço de obstetrícia, entre os meses de junho a agosto de 2011. O recrutamento das participantes foi realizado mediante visita diária de alunas de graduação e pós-graduação à unidade de internação clínica e revisão de todos os pron tuários de mulheres com idade entre 10 e 49 anos e que estavam internadas, por no mí nimo, 48 horas, para identificar aquelas que preenchiam os critérios de morbidade ma terna grave.
Escolheu-se um horário específico para realizar as entrevistas, tendo em vista não coincidir com a visita médica, não atrapalhar a rotina da equipe de enfermagem ou a da paciente. A realização das entrevistas foi, em média, duas horas por dia.
Foram utilizados dois instrumentos, sen do um questionário com respostas estrutura das para a obtenção de informações sociode-mográficas e psicossociais; e outro elaborado com base nas experiências prévias dos pes quisadores e cotejado com a literatura, para a obtenção de informações relacionadas ao histórico obstétrico e a gestação atual, rela tivas ao evento de morbidade materna grave.
Para a coleta de dados considerou-se as variáveis sociodemográficas (idade, escola ridade, atividade remunerada, lugar de pro cedência e estado civil), variáveis obstétricas (consultas de pré-natal, tipo de parto - dado coletado no pós-parto, intercorrências na gestação, parto e/ou no puerpério e ama mentação) e variáveis do histórico de saúde (realização de consultas médicas previas à gravidez, uso de medicamentos, uso de subs tâncias químicas e procura por serviços de saúde).
Os dados foram armazenados na plani lha eletrônica Excel Mac 2011 e validados mediante dupla digitação. Para a análise uti-lizou-se o programa SPSS, versão 16.0. Rea-lizou-se a análise mediante estatística descri tiva (distribuição de frequências, medidas de tendência central e variabilidade).
O estudo foi aprovado por um Comitê de Ética em Pesquisa, cadastrado na Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), sob o número de protocolo 1305/2011. Todas as participantes assinaram o Termo de Con sentimento Livre e Esclarecido e ficaram com uma via em sua posse.
RESULTADOS
Nos meses de junho a agosto de 2011 foram hospitalizadas 534 mulheres na unidade de internação clínica, das quais 78 mulheres preenchiam os critérios de morbidade ma terna grave, representando 14,6% do total de internações ocorridas nesses meses. Dentre as 78 participantes, 27 (34,6%) foram hos pitalizadas para a resolução da gravidez e 51 (65,4%) para tratamento clínico. Cinquenta e nove (75,6%) estavam na primeira interna ção. A média de internações foi de 1,38 com desvio-padrão de 0,81.
Perfil sociodemográfico
Do total das participantes, 19 (24,4%) eram gestantes e 59 (75,6%) puérperas. Em re lação à escolaridade, encontrou-se a maior frequência de mulheres no ensino médio 42 (53,9%), e em relação ao estado civil, 30 es tavam em união estável (38,5%). Quanto à procedência, 47 (60,3%) residiam no municí pio em que o hospital está situado (Tabela 1). A idade média das mulheres do estudo foi de 28,8 anos, com desvio padrão de 7,81, a ida de mínima 15 anos e a máxima de 43 anos. A respeito do número de pessoas que moravam com a participante, considerando-se a entre vistada como o primeiro integrante obteve-se o máximo de 13 pessoas na mesma residência e o mínimo de duas, com uma média de 3,79 pessoas e desvio-padrão de 3,0.
Perfil obstétrico
Dentre as 78 mulheres, a maioria era multigesta 50 (64.1%), sendo que uma participan te (1,3%) estava na oitava gestação. A média foi de 2,73 gestações por participante, com desvio padrão de 1,83, número máximo ges tações 8 e mínimo de 1. Quanto ao núme ro de partos, 26 (33,3%) eram primíparas, nove (1,5%) eram nulíparas, com média de 2.32 partos por participante, desvio-padrão de 1,8 e mediana de dois, o número máximo de partos sete e mínimo de 0. Em relação ao número de abortos, 12 participantes (15,4%) afirmaram terem tido abortos em sua vida, com o número máximo de três abortos.
Em relação às consultas de pré-natal, 60 mulheres (73,0%) tiveram mais de seis con sultas (Tabela 1), sendo o mínimo zero, o máximo de 18 consultas, com uma média de 8.33 consultas e desvio padrão de 4,25.
Perfil de saúde
Em relação ao histórico de saúde, investi-gou-se se as participantes realizavam acom panhamento médico prévio à gravidez. Os dados mostraram que 58 (74,4%) faziam seguimento em instituições de saúde, e as es pecialidades médicas mais procuradas foram cardiologia e medicina geral e os principais eventos foram hipertensão arterial (40%) e infecções das vias aéreas (15%) (Gráfico 1).
Quanto à procura de serviço de saúde mental 19 (24,4%) afirmaram ter procura do o serviço, sendo os sintomas depressivos a principal causa. Quanto ao uso de medi camentos prévios à gravidez 34 participantes (43,6%) afirmaram utilizar medicamentos diários, sendo os anti-hipertensivos os mais utilizados (62,0%) (Gráfico 2). Também identificou-se que 58 (74,4%) eram usuárias do sistema único de saúde.

Gráfico 1 Distribuição da frequência (n) e percentual (%) das variáveis relacionadas às razões das consultas médicas referidas pelas mulheres com morbidade materna grave.

Gráfico 2 Distribuição da frequência (n) e percentual (%) das variáveis relativas ao uso de medicamentos referidos pelas mulheres com grave morbidade materna.
No que tange ao uso de substâncias psico-ativas prévias a gestação, 16 (20,5%) respon deram afirmativamente para o uso, sendo o cigarro a principal substância. Em menor proporção, maconha, crack e cocaína.
Do total de participantes, 59 (75,6%) es tavam internadas pela primeira vez no ci clo grávido-puerperal atual e 12 (15,4%) estavam na segunda internação. A média de internações foi de 1,38 com desvio padrão 0,81. Quanto à unidade onde permaneceram todo o período de internação, 75 (96,2%) fo ram admitidas pelo serviço de obstetrícia e três (3,8%) pela Unidade de Terapia Inten siva (UTI). Dentre as admitidas na UTI duas (2,6%) tiveram sepse e uma (1,3%) apresen tou três diagnósticos no momento da admis são: embolia pulmonar, coagulação intravas cular disseminada e insuficiência respiratória aguda. Esta última participante foi a única a precisar de intubação orotraqueal por 24 ho ras. O tempo médio de permanência em UTI foi de 3,33 dias com desvio padrão de 0,58.
Quanto à morbidade materna grave, 65 participantes (83,3%) tiveram agravos rela cionados às síndromes hipertensivas, sendo pré-eclâmpsia, hipertensão grave, eclâmpsia e síndrome HELLP. Outras morbidades como os distúrbios hemorrágicos e distúrbios sis-têmicos se apresentaram em 13 mulheres (16,7%). Destacou-se que 12 participantes (15,4%) atendiam a mais de um critério para morbidade materna grave durante o tem po de internação. A participante com maior quantidade de critérios apresentou nove morbidades na mesma internação. Em rela ção ao momento do ciclo grávido-puerperal em que o agravo ocorreu, sete (11,9%) apre sentaram intercorrências durante o parto, sendo a hemorragia a mais frequente em 4 (8,0%) destas. Durante a condução do tra balho de parto encontrou-se a ocorrência (1,3%) de rotura uterina, doença hipertensiva e problemas não especificados.
No período puerperal 12 participantes (15,4%) apresentaram complicações; sendo as doenças hipertensivas as intercorrências mais frequentes, manifestada em seis mulhe res (7,7%), seguida por hemorragia em duas participantes (2,6%) e em número de uma ocorrência (1,3%) abcesso na parede vaginal, diabetes, uma paciente apresentou hiperten são arterial e diabetes e outra hipertensão ar terial e hemorragia.
Seis participantes (7,7%) foram subme tidas à transfusão de sangue, sendo que três precisaram de duas unidades, uma recebeu três unidades, uma paciente precisou de qua tro unidades e uma recebeu 21 unidades, sen do uma média de 5,67, desvio padrão de 7,55 e mediana 2,5. Cinco participantes das sete (83,3%) receberam hemácias e uma (16,7%) recebeu hemácias, plasma e plaquetas.
DISCUSSÃO E CONCLUSÃO
Com a formulação dos Objetivos de Desen volvimento Sustentável, em 2015, os países signatários das Nações Unidas acordaram nova agenda que reafirma o compromisso em reduzir a morbimortalidade por causas preveníveis e evitáveis, com a implementa ção de ações de saúde que contribuam para a garantia dos direitos humanos das mulheres12 . Com base neste compromisso, entende--se que a análise da distribuição de variáveis sociais, demográficas e de saúde das mulhe res que tiveram um episódio de morbidade materna grave contribua para a adequação a nível local, das estratégias propostas pelos gestores nacionais, atendendo às necessida des de saúde da mulher e prevenindo riscos.
Quanto ao ciclo grávido-puerperal atual, dentre as mulheres que apresentaram mor-bidade materna grave no estudo, 24,4% eram gestantes e 75,6% puérperas. O agravo mais frequente em todo o ciclo grávido-puerperal foi referente às doenças hipertensivas; a in-tercorrência mais frequente durante o parto foi hemorragia e no pós-parto também a do ença hipertensiva e o sangramento. Destaca se que no período avaliado, não houve caso de morte materna. No estudo de Morse et al.,13 que avaliou três critérios para classifica ção de morbidade materna, o marcador de gravidade mais utilizado foi a pré-eclâmpsia grave, seguida de hemorragia grave.
Quanto ao perfil de mulheres com mor-bidade materna grave, estudo realizado pela Organização Mundial da Saúde14, mos trou que ter mais de 35 anos, sem parceiro e estar na primeira gestação ou ser multípa ra são variáveis associadas à ocorrência de morbidade materna extremamente grave/ near miss. Esses achados concordam com o presente estudo, sendo que 35% de mulhe res que apresentaram agravos tinham mais de 30 anos, seguidas por 21% de adolescen tes13. Quando a escolaridade é analisada juntamente com o tipo de parto, há associa ção entre mais anos estudados e a ocorrência desta morbidade (14). Estudo com desenho semelhante ao apresentado encontrou mu lheres que tiveram episódio de morbidade materna grave, as quais estavam vivendo em união estável em mais de 50% dos casos e em sua primeira gestação. Na revisão da litera tura científica encontrou-se diferenças nas associações das variáveis sociodemográficas e obstétricas com morbidade materna grave e extremamente grave/near miss13.
Estudo sugere que a relação entre gravi dez, doenças crónicas, morbidade e mortali dade materna pode estar aumentando15. Fatores como sedentarismo, tabagismo, so brecarga de responsabilidades são gerados pelo estilo de vida moderno e contribuem para que doenças crónico-degenerativas es tejam entre as principais causas de morte na população feminina16. O passado de hi pertensão e de doenças crónicas foi descrito anteriormente como fator de risco para morbidade materna grave. No Brasil, estudo em UTI obstétrica descreve que condições clíni cas pré-existentes estavam presentes em 19% das pacientes17.
Neste contexto, as mulheres em idade re produtiva estão expostas a doenças crónicas e aos fatores de risco tais como obesidade, diabetes e colesterol18. Dentre as parti cipantes deste estudo, 60% afirmaram fazer seguimento em serviços de saúde e uso de medicamentos, a maioria por hipertensão crónica antes da gravidez. As doenças cardio vasculares configuram-se a principal causa de morte em mulheres e a terceira causa de morte em mulheres em idade reprodutiva16. A prevalência de hipertensão e dislipidemia é alta entre mulheres em idade re produtiva e são os dois maiores fatores de risco para doenças cardiovasculares18. O conhecimento destes dados tem levado es tudiosos a pesquisar neste assunto e vários estudos têm apontado medidas que incluem programas de atividade física, reeducação ali mentar, redução do tabagismo, como pontos principais na prevenção das doenças cardio vasculares dentre outras oportunidades de prevenção de agravos, melhorando a saúde das mulheres18. Os agravos mentais que acometem as mulheres em idade reproduti va necessitam ser investigados, bem como a identificação de grupos vulneráveis. Estas são estratégias apontadas por pesquisadores para que ocorra o diagnóstico precoce, prevenção de comorbidades e acompanhamento ade quado no nível primário de atenção à saúde14.
Em relação ao perfil obstétrico, no estudo observou-se predomínio de mulheres com três gestações anteriores, em média dois par tos por mulher, sem abortos anteriores. Es tudo realizado em uma instituição hospitalar de referência terciária para avaliar o perfil epidemiológico da morbidade materna grave e extremamente grave/near miss encontrou no perfil obstétrico de sua amostra 33,7% de primíparas e 23,6% tiveram abortos prévios, a maioria foi incluída no estudo com média de 34,6 semanas13. Outro estudo realizado para identificar o perfil reprodutivo de mu lheres com diabetes mellitus19 encontrou mulheres com idade média de 25,7 anos, com uma ou duas gestações anteriores e 25% ha viam tido um aborto.
Em relação às consultas de pré-natal, au tores apontam o acesso à assistência de quali dade ao pré-natal e parto, o acesso a suportes tecnológicos específicos, como a presença de unidade de terapia intensiva, ou mesmo o acesso a transfusões com a necessária rapidez deve estar ao alcance de todas as mulheres5 colaborando para redução de complicações e das mortes maternas. Em relação ao pré-natal20, encontraram que 40% de mulheres que atendiam aos critérios de morbidade materna grave, fizeram mais de seis consul tas e aproximadamente 10% não realizaram qualquer consulta.
A hospitalização para a realização de tra tamento clínico de alguma intercorrência no ciclo grávido puerperal ocorreu em 65,4% das mulheres deste estudo. Nos Estados Uni dos, no início da década de 1990, o número de internações obstétricas durante a gravidez foi de 22 para cada 100 partos. Esta informa ção fomentou uma meta nacional de redução de internações obstétricas para no máximo 15 para cada 100 partos. No entanto, estudo atual21 divulgou resultados de aumento progressivo de internações clínicas para tra tamento de morbidade materna nos últimos dez anos, em Unidade de Terapia Intensiva no estado do Texas.
Há evidências de que a maioria dos casos de morbidade extremamente grave/near miss que ocorrem nos países em desenvolvimento chegam aos hospitais em condições críticas17. Assegurar o acesso equitativo à aten ção básica e atendimento especializado de emergência, o reconhecimento precoce e tra tamento das condições maternas potencial mente fatais é fundamental para salvar vidas de mães e seus recém-nascidos6,22.
As síndromes hipertensivas complicam 5 a 10% de todas as gestações15 e são a principal causa de morbidade materna grave e morbidade materna extremamente grave/ near miss durante o período gravídico-puerperal. A hipertensão, como entidade asso ciada ou como causa direta de mortalidade materna, tem sido motivo de preocupação nos diferentes setores da comunidade mé dica durante a gravidez. As formas mais co muns de hipertensão são a pré-eclâmpsia, a hipertensão arterial crónica e a hipertensão crónica com pré-eclâmpsia superposta; sen do esta última é associada a piores resultados maternos e perinatais23.
Estudo realizado entre 2003 e 2007 mos trou que entre mulheres com critérios para morbidade materna grave ou extremamente grave/near miss, a causa mais comum de in ternação em UTI obstétrica foram as síndro mes hipertensivas (78,4%) onde a eclâmpsia ocorreu em 38,8% dos casos. Segundo auto res de outro estudo24, as síndromes hiper-tensivas corresponderam a 62,5% dos casos em seu estudo, 10,6% apresentaram quadros hemorrágicos, 5,8%, sepse e 21,1% apresen taram complicações clínicas. A hiperten são foi causa quase exclusiva de morbidade materna grave no estudo realizado em 2008, sendo responsável por 47,5% dos casos de morbidade materna grave; e por 18,2% das morbidades extremamente graves/near miss. Outros estudos desenvolvidos no Brasil en contraram as síndromes hipertensivas como uma das causas mais comumente associadas à morbidade materna grave e à morbidade extremamente grave/near miss13. A segun da causa mais incidente no presente estudo foi hemorragia. Estudos mostram que as complicações hemorrágicas, principalmente sangramento no período pós-parto, resul tante de atonia uterina e ruptura uterina, são ocorrências frequentes e presentes nas causas de morbidade e mortalidade materna5. A hemorragia obstétrica é a causa mais comum de mortalidade materna no mundo e a causa da mortalidade materna nos Estados Unidos que tem maior chance de prevenção24,25.
Os resultados fornecem implicações para o financiamento de mecanismos de assis tência às mulheres que sofreram os eventos da morbidade materna grave associados aos aspectos obstétricos e sóciodemográficos das mesmas. As síndromes hipertensivas foram as primeiras causas de morbidade materna grave. Portanto, há necessidade da caracteri zação da morbidade materna grave em um hospital de nível terciário de atenção para o tratamento de quadros hipertensivos durante a gravidez. E os profissionais da saúde devem oferecer recursos que permitam o monitora mento da atenção à saúde da mulher no ci clo grávido-puerperal, o desenvolvimento de ações de promoção, ações educativas e a qua lificação da melhoria dos cuidados de saúde prestados às usuárias do serviço investigado.
Destaca-se também, a importância do acesso das mulheres à assistência pré-natal, pela possibilidade de identificar preco cemente intercorrências e complicações da gravidez. Acreditamos que a investigação do histórico de saúde mental à anamnese tradi cional é relevante, pois possibilita a determi nação de riscos adicionais como depressão puerperal.
Profissionais de enfermagem inseridos na assistência obstétrica devem ter como alvo o reconhecimento dos riscos para morbidade materna e incorporar em sua prática clínica abordagens que contribuam para a promoção da equidade de gênero e dos di reitos humanos das mulheres. Acompanhar e ou cuidar de uma mulher em situação de morbidade materna inclui respeito ao desejo de ser mãe, aos aspectos culturais e sociais, e ainda, considerar a assistência humanizada e acolhedora.
Com relação às limitações do presente es tudo, podemos destacar a má qualidade do registro nos prontuários das participantes, por vezes incompletos ou insuficientes, resul tando em subestimação de informações im portantes. Acreditamos que estudos futuros possam investigar a relação entre a morbidade materna grave e as repercussões obsté tricas e neonatais, de forma que as mulhe res sejam acompanhadas prospectivamente, relacionando também com a percepção das mesmas sobre este agravo em suas vidas.