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Literatura y lingüística

versión impresa ISSN 0716-5811

Lit. lingüíst.  n.14 Santiago  2003

http://dx.doi.org/10.4067/S0716-58112003001400004 

Literatura y Lingüística Nº14

O discurso museográfico e o
pensamento de Pablo Neruda:
um estudo introdutório

Eloisa Capovilla da Luz R.

Resumo

Esse trabalho pretende analisar a "obra tridimensional" recolhida e organizada pelo poeta chileno Pablo Neruda, representada pelos objetos colecionados e expostos em suas três residências e que aqui serão vistos como representações construídas pelo/sobre o poeta.

No Chile, a memória de Pablo Neruda é ainda muito viva não só através da sua poesia como também das residências que construiu e decorou -La Chascona, Isla Negra e La Sebastiana. Tratadas como casas-Museus [administradas pela Fundação Pablo Neruda] elas dão a conhecer aos chilenos e ao mundo mais uma manifestação do pensamento do grande poeta Latino-americano, isto é, as casas não representam gabinetes de curiosidades como os museus do século XVIII, mas ao se constituírem em cenários da vida cotidiana passaram a ser espaços onde são construídas representações da vida de Pablo Neruda. São, na verdade, casas pessoais ou melhor, moradias individuais que ao serem alçadas ao coletivo, adquiriram uma outra simbologia. Pode-se dizer que foram apropriadas pelo nacional que o poeta representou.

A análise, tomando como parâmetro a história cultural, terá como referências maiores os escritos de/sobre Neruda. A partir desses referenciais estudaremos o poeta com um olhar museológico por considerarmos que os espaços [as casas de Neruda] quando musealisados assim como os objetos aí exibidos são portadores de discursos do/sobre o personagem enfocado. Isso quer dizer que um museu não é um espaço neutro e sim um espaço que fala, um espaço de comunicação. No caso estudado, os objetos aparecem como portadores de historicidade porque são investidos de uma carga pessoal sendo nomeados e/ou renomeados pelo poeta. Ao recortá-los de seu contexto original, Pablo Neruda os (re)significava com sua própria história de vida. Esses objetos, por seu turno, ao serem recontextualizados vão construir (dar) uma outra imagem do (ao) poeta. É essa imagem que pretendemos realçar.

Palavras chave: museografía - Neruda - representação

Resumen

En el artículo se analiza la tridimensionalidad de los lugares residenciarios de Neruda en territorio chileno. Las casas diseñadas por Neruda no son museos al estilo del siglo XVIII, son escenarios de vida y escenarios representativos de una sensibilidad. En sus casas, Neruda y su ingenio es un espacio que habla, que hace poesía plástica, que historiza a través de los objetos su propia existencia vital.

Palabras clave: museografia - Neruda - representación

Abstract

In this article the tree-dimensional quality of Neruda´s residential places in Chilean territory is analyzed. The houses designed by Neruda are not museums like those characteristic of the 18th century; they are life sceneries and sceneries representative of a sensitivity. In his houses, Neruda and his wit constitute a space that talks, that makes plastic poetry, that makes -through objects- the history of its own vital existence.

Keywords: Museumgraph - Neruda - Representation

1. Introdução

O trabalho que ora apresentamos fala sobre a obra "tridimensional" recolhida e organizada por Pablo Neruda em suas casas de Isla Negra, La Chascona e La Sebastiana e da relação existente entre estas casas-Museus e as representações de Pablo Neruda que aí são construídas. Moradias individuais, ao serem alçadas ao coletivo adquiriram uma outra simbologia, isto é, foram apropriadas pelo nacional que o poeta representou. Queremos, nesse trabalho, estudar o personagem com um olhar museológico, por considerarmos que os espaços quando musealisados assim como os objetos aí exibidos são portadores de discursos. Levando em conta esse recorte, consideramos importante destacar, também, em nossos pressupostos, uma afirmação de Sandra Pesavento1 de que hoje, o mundo é fonte para o historiador e de que tudo que nos chega do passado nos vem através da imagem, da voz, do texto e, ainda, a constatação mais geral de que não existe relato inocente, isto é, não existe discurso neutro. Ao buscarmos ampliar essas afirmações incluímos em nossa análise os objetos tridimensionais e tomamos a museologia como parâmetro referencial de nossa análise. A museologia, no dizer de Lourdes Turrent 2, ...é a ciência que estuda postulados, ações e consequências do processo museal, cujo eixo é a confrontação de indivíduos com uma realidade proposta através de objetos que são selecionados, conservados e exibidos. Conforme a percepção dessa autora, o "processo museal" primeiro está presente em uma comunidade que cria e conserva um objeto. Isso significa dizer que ao longo da vida as comunidades desenvolvem muitos processos museais. O processo museal se apresenta de novo quando alguém, alheio à produção original da peça, a separa de sua comunidade, a valoriza (...) e a integra à sua coleção. Exemplificando, poderíamos dizer que as coleções existentes nas casas-Museus de Pablo Neruda, servem para mostrar que quando o poeta juntou dezenas de objetos formando uma coleção ou, quando organizou uma grande quantidade de antigos estribos vindos de diferentes regiões do Chile, ele estava desenvolvendo um processo de recontextualização e revalorização das peças, isto é, desenvolvia um processo museal. Ele não produziu as peças originalmente, mas as ressignificou quando as trouxe para junto de si. O processo desenvolvido localizou-se, por sua vez, dentro do campo da museografia, entendida como o conjunto de técnicas que permitem fazer a coleção, conservá-la e exibí-la 3. O que queremos dizer é que a museografia trabalha dentro dos museus para tornar possível as exposições. Assim sendo, os museus tornam-se, também, portadores de objetos cuja simbologia está ligada não só às concepções de quem os organizou, mas também à identidade de uma pessoa, de um grupo, de uma região ou de um país.

É nesse sentido que nos apercebemos da construção de uma outra representação de Pablo Neruda, além daquela já estabelecida pela poesia. O poeta passou a ser ressignificado e relido pela imagem que construiu em suas casas-Museus. Ao trazer os objetos mais díspares para essas casas onde morava, Neruda trazia signos em potencial, trazia relíquias que lhe agradavam. No momento em que tais relíquias foram investidas de significado pelo próprio poeta, tornaram-se novamente signos, pelo desdobramento do processo museal já apontado, e passaram a representar a alma e a sensibilidade de Neruda e não mais o que eram na origem. Quando Pablo Neruda se "adonava" de algum objeto, esse objeto deixava de ser ele mesmo e se carregava com a memória do poeta, disse a certa altura, um texto de Ramirez4. E foi o que nos confirmaram outros textos que interpretaram "as coisas de Neruda".

2. Neruda, o colecionador de objetos

Amo las cosas loca,
locamente.
Me gustan las tenazas,
Las tijeras,
Adoro
Las tazas,
Las argollas,
Las soperas,
Sin hablar, por supuesto,
Del sombrero...

Muchas cosas
me lo dijeron todo.
No solo me tocarón
o las tocó mi mano,
sino que acompañaron
de tal modo
mi existencia
que conmigo existieron
y fueron para mí tan existentes
que vivieron conmigo media vida
y morirán conmigo media muerte.

Colecionar objetos é uma ação ordinária, comum, mas pode ser também um entretenimento, uma paixão ou mesmo uma arte. Pablo Neruda fez dessa paixão uma arte. Ele era o que se poderia chamar de um colecionador, definindo-se num auto-retrato como um investigador num mercado, alguém que não resistia a um objeto que lhe agradava. A tal ponto ia esta paixão que Ramirez5, ao visitar sua casa em Isla Negra descreveu-a como um compêndio visual de sua poesia e os objetos, nesse contexto, pareceram-lhe criados para inspirar o poeta. Teve, também, Ramirez, a sensação de que .desde que Neruda se apropriava de algo, esse algo deixava de ser ele mesmo, se transformava em enigma, se carregava com a memória do poeta; era investido de paixão ou de aventura.

Do ponto de vista da museografia como forma de discurso tridimensional, cabe a ela questionar, na medida em que organiza as coleções, classifica-as, conserva-as e mostra-as. Alguns estudos sobre esse assunto se referem à troca de uso e sentido que os museus em geral e a museografia, em particular, dão aos objetos. Um chapéu ou uma bandeira podem ter significado diferente dependendo de quem o usou ou com ela desfilou. As palavras de Ramirez, no caso em estudo, mostram que os objetos colecionados por Neruda tomam um outro sentido em suas casas-Museus. O sentido de representações de sua existência. De outras formas de se dar a conhecer. Os objetos colecionados têm sentido e valor porque estão ligados às vivências e lembranças de Neruda. Miguel Rojas Mix6 dirá que o ambiente se cria quando os elementos se transformam em um sistema de signos. É o que percebemos com a história de Guillermina, de Jenny Lind, de Maria Celeste e tantas outras máscaras de proa de antigos barcos que singraram rios, mares e oceanos. Junto com o Armador venezuelano, Francis Drake e, sobretudo o corsário Henri Morgan, os personagens espalharam-se pela casa-Museu de Isla Negra como anjos ou como guardiães. Cada uma com seu nome próprio, com alma própria e com uma história particular. Pablo Neruda os individualizou e, ao fazê-lo, praticou com os mesmos o ato da "investidura", isto é, os nomeou ou renomeou. Nesse ritual, tornou os objetos únicos, fetichizados, singulares ou exóticos. O sentido e o valor das coisas estão associados às suas vivências e à sua paixão por perpetuá-las 7. Barcos com sereias, piratas e máscaras de proa eram também seres que haviam povoado o imaginário do poeta na infância. Em minha casa fui reunindo brinquedos pequenos e grandes, sem os quais não podia viver (...). Juntei-os através de toda a minha vida com o propósito de me entreter sozinho8. Eles representarão, neste contexto, uma "arte de vida" e estarão intimamente ligados com os guardados da memória. Isso não exclui, entretanto, uma certa atemporalidade e uma mistura despreocupada entre as peças, em cada uma das casa-Museus. As memórias do memorialista não são as memórias do poeta. Aquele viveu talvez, menos, porém fotografou muito mais (...); este nos entrega uma galeria de fantasmas sacudidos pelo jogo e a sombra de sua época9.

3. O Chile e o mar em Neruda

A perspectiva do colecionador transparece mais claramente nos objetos que compõem as casas de Neruda quando os agrupamos em blocos temáticos derivados de algumas palavras-chave de sua trajetória como "mar" e "chilenidade".

Aqui en la Isla
El mar
y cuánto mar
se sale de sí mismo
a cada rato(...),
no puede estarse quieto,
me llamo mar, repite10...

O mar aparece como um dos temas mais caros a Neruda, ou melhor, como um elemento essencial de sua vida. Quando faz poesia ou quando narra a história da Sereia de Glasgow, por exemplo, (uma máscara de proa resgatada ao mar e que hoje habita junto com outras figuras ressignificadas uma das salas de sua casa em Isla Negra), o poeta se dá a conhecer como um amante das coisas do mar.

...Foi no extremo sul do Chile que a encontrei. Estava suspensa, na proa de um barco (...). Era patética aquela deusa, na chuva fria, ali no fim da terra. Libertamo-la na chuvarada, do território austral, pouco tempo antes de um maremoto afundar o resto de seu barco (...). Este, quando foi navio se chamou Sereia. Sereia de Glasgow [por isso Neruda lhe conservou o nome]. Não é muito velha pois saiu do estaleiro em 1886. Sem embargo, (...) quantas ondas e quantas mortes até chegar ao desamparado porto do maremoto! Mas também, à minha vida 11

Matilde Urrutia12, disse que Neruda era um marinheiro de coração, pois investigava o mar através de tudo o que vive nele, quer fossem objetos reais ou lendários. Nesse universo, seres mitológicos como o "krankl", o polvo gigantesco descrito por Victor Hugo e por Jules Verne e o "narval", espécie de unicórnio dos mares do norte, conviviam pacificamente.

Em Isla Negra o mar é representado em peças de barco que compõem a arquitetura e a decoração da casa. Aparece nas redes, nas garrafas e bolhas de vidro e nas réplicas de barco ou, ainda, nos suportes e pratos que decoram a mesa de jantar. Se faz presente nos faroletes, nos objetos náuticos, nas sereias. Aparece nos já citados personagens que povoam a casa assim como penetra na casa-Museu pela transparência de suas grandes janelas. Aí, representação e realidade se confundem pois aos objetos se acrescentam o movimento e o rugido do mar, além de seu cheiro característico. Como se não bastasse há ainda a coleção de conchas, organizadas após a morte do poeta pela Fundação Pablo Neruda, o que dá mais realce à representação do mar em nosso personagem. Em La Chascona, sua casa-Museu no centro de Santiago, o mar foi representado pela cor azul da pintura externa das paredes e na Sebastiana, apesar da distância, ele se apresenta nas grandes janelas e terraços.

Yo soy un amateur del mar, y desde hace años colecciono conocimientos que no me sirven de mucho porque navego sobre la tierra13.

Definindo-se em auto-retrato Neruda dirá que é um navegante de boca, que ama o mar...da terra. Sua paixão pelo mar é sem limites, escreve Figueroa Yávar14. Seu lugar preferido ele converte metafóricamente em ilha(...).Se identifica com os navegantes de todas as épocas (...), tem sempre à mão elementos marinhos. Miguel Rojas Mix15 dirá ainda que o vate navega na poesia: lobo de mar da linguagem, nauta de terra, viajante imóvel, o poeta se deixa inundar pelo mar. Esse mar, povoado de seres mitológicos ou construídos pelo homem, pode ser visto em Neruda como um território do imaginário. Identificava-se, então, a idéia do mar com a do mistério, a do tempo circular, a do eterno retorno? Perguntava nessa época Jorge Edwards16. Não sabemos responder. O que constatamos foi que ao resgatar alguns desses seres para suas casas Museus o poeta os transformou em personagens da sua própria vida e, por conseqüência, da vida chilena.

Chilenidade foi como chamamos a outra palavra-chave que nos pareceu marcante em Pablo Neruda. Chileno à perpetuidade, dirá de si mesmo o poeta. E mostrará esta faceta nacional, identitária, em prosa:

Acho que o homem deve viver em sua pátria e creio que o desarraigamento dos seres humanos é uma frustração que de uma maneira ou de outra entorpece a alma. Eu não posso viver senão em minha própria terra. Não posso viver sem por os pés, as mãos e o ouvido nela, sem sentir a circulação de suas águas e de suas sombras, sem sentir como minhas raízes buscam em seu barro pegajoso as substâncias maternas 17.

Ou, em versos.
...Ahora voy a contarte:
Mi tierra será tuya,
Yo voy a conquistarla,
No solo para dártela,
Sino que para todos
Para todo mi pueblo18.

Sobre o sentimento nacional em Neruda escreveu Figueroa Yávar19, ...é este sentido de pertencimento o que lhe faz juntar, com devoção, objetos primitivos e expressões do folclore, enraizados com aqueles. As casas Museus possuem representações dessa chilenidade em tapeçarias feitas por bordadeiras de Isla Negra; em paredes e lareiras erguidas com pedras do Chile; em cerâmicas e outros objetos do artesanato chileno. Matilde Urrutia20, sua mulher, destacou, entre as devoções do poeta, por ser imensa, a que sentia por seu país. É ela quem conta que quando viajávamos para o Sul, o fazíamos lentamente, detendo-nos em cada povoado, visitando o maior número de lugares possível, em especial as feiras e os mercados. Alí, segundo Neruda, era onde melhor se conhecia a vida do lugar (...). Tudo lhe interessava. Sentia uma imensa curiosidade em saber o que faziam as pessoas. Mais tarde, todos estes elementos se fundiam em sua poesia. É possível dizer, nesse caso, que Neruda não colecionou somente objetos. Colecionou também histórias do povo e revelou nessa faina sua ligação com a terra natal.

Pátria, minha pátria, volto a ti o sangue.
Mas te peço, como à mãe o menino
cheio de pranto.
Acolhe
essa guitarra cega
e esse rosto perdido21.

Foi o que escreveu o poeta quando regressou ao Chile em 1939. Noutras tantas ocasiões esse amor ao seu país iria também aparecer. Exemplo do que falo é o que fez quando, durante o governo de Salvador Allende, foi embaixador do Chile em Paris. Nesse período, não só representou o Chile como também levou seu país em alguns fragmentos para a capital francesa. Falo da imagem de uma Virgem, talhada na Ilha da Páscoa, que mandou buscar para colocá-la no salão principal da Embaixada. E das tapeçarias das bordadeiras de Ilha Negra. As representações, no caso em foco, são também formas de exibição, atos de ver e ser visto. No relato, a Virgem pascoense e as tapeçarias aparecem como formas simbólicas do país, como "re-apresentações" do Chile em Paris. Cabe aqui dizermos como Chartier22, que toda representação se apresenta como representação de alguma coisa. Essa foi uma das formas que Neruda encontrou para dizer de sua chilenidade.

4. O discurso museográfico de/sobre Pablo Neruda

No Chile, a memória de Pablo Neruda é ainda muito viva, não só através da sua poesia, mas também das residências que construiu e decorou - La Chascona, Isla Negra e La Sebastiana -. Tratadas como Museus, que são espaços de comunicação por excelência, elas dão a conhecer aos chilenos e ao mundo um outro tipo de representação do seu poeta maior. Através da museologia, ciência que estuda postulados, ações e conseqüências do processo museal, pudemos entender o processo desenvolvido por Pablo Neruda ao ressignificar objetos transformando-os em "suas" coleções pessoais. Neste ato duas ações estiveram presentes: uma foi a do "processo museal", que aparece quando Neruda escolhe e adquire objetos pelos quais se apaixona ou com os quais sonhou; a outra foi a da "museografia", que se tornou perceptível quando o poeta fez as coleções, conservou-as e exibiu-as em suas casas. Numa sala ampla e alta(...) os livros chegavam até o teto, livros de todos os autores imagináveis e onde se podia folheá-los(...).Instalada numa sala anexa estava a coleção de caracóis marinhos, escreveu Edwards23. Considerando que a Museografia é o conjunto de técnicas que permitem fazer a coleção, conservá-la e exibí-la24, o que estamos querendo dizer é que o museógrafo de seus objetos foi o próprio Neruda pois era ele quem os selecionava em viagens pelo país ou pelo mundo, quem os conservava e quem os exibia. Mesmo que o processo se desse intra muros, isto é, dentro da própria casa do poeta, ele tinha um significado, já que partimos da idéia de que os objetos são portadores de discursos e têm historicidade, ou seja, não são neutros.

Com isso estamos afirmando que quem construía esta outra imagem do colecionador, do homem que não perdera a sua infância, do amante das coisas do mar, etc, era o próprio Pablo Neruda. É ele o construtor primeiro desse outro discurso sobre si mesmo: o discurso dos objetos. Eles serão, assim, representações simbólicas do próprio poeta. Em suas casas, as exposições são campos privilegiados para apresentar imagens de si mesmo e do outro25. Jorge Edwards26, confirma o já dito, falando da casa de Ilha Negra, na década de 50.

Entrava-se por uma porta baixa (...) e, dobrando à direita, chegava-se de imediato à sala principal, de teto muito alto (...). Nas paredes, havia grandes máscaras de proa, veleiros em escala, objetos náuticos, dentes de baleia talhados e espalhados numa grande mesa retangular, porta-papéis de cristal, de formas heterogêneas. Diante da mesa, uma grande janela abria-se diretamente ao oceano Pacífico.

Para seus biógrafos, o colorido das coisas era, nessas casas, um traço diferenciador das outras casas chilenas. Ao ser, ao mesmo tempo, morador de suas casas e colecionador /museógrafo, mesclam-se, com o consentimento de Neruda, os objetos e a vida pessoal do poeta. Por outro lado, ao serem musealisadas as coleções sairam da órbitra local e se transformaram num tesouro público nacional, propriedade do povo chileno, especialmente após a morte de Neruda. Consideramos, neste mesmo contexto, que ao tomar a iniciativa da criação de uma Fundação com seu nome, a Fundação Pablo Neruda, o poeta demonstrou mais uma vez que sabia se fazer lembrar na memória de seu país, pois entre as formas de não ser esquecido está a criação de Instituições que perpetuam o nome de quem as cria.

A propósito da apropriação que os chilenos fizeram da imagem de Neruda Jorge Edwards27, comentando o fato dirá que o culto póstumo a Pablo Neruda, sem dúvida exacerbado pelo clima do Chile ditatorial, teve (...)os traços (...)de qualquer culto à personalidade (...) e vem tendendo a substituir o homem de carne e osso numa estátua, um símbolo petrificado, o que ele considera uma grande contradição para um homem que permanentemente celebrava seu "pacto com a terra".

5. À guisa de conclusão

A junção das ações, da museologia e da museografia, pelas suas peculiaridades de análise, podem dar a conhecer ou lançar luz sobre um personagem, uma cidade, um país.

Pablo Neruda, como vimos, dar-se-á a conhecer ao Chile e ao mundo também pelas casas que organizou para viver, assim como pela Fundação que leva seu nome. Ampliadas em sua representação depois da sua morte, tornaram-se portadoras da imagem do poeta e representações do Chile, isso é, tornaram-se portadoras de uma identidade chilena, por serem também representações da imagem de Neruda.


1 PESAVENTO, Sandra Jatahy. O novo na História Cultural. Palestra proferida no VII Seminário Internacional en Ciencias Sociales y Humanidades. Santiago do Chile, 4 de janeiro de 2001. Anotações.

2 TURRENT, Lourdes. El objeto de estudio de la Museologia. Gaceta de Museos, n. 9, maio de 1998, INAH: México, p. 11. Mimeo.

3 Ibid. p. 5.

4 RAMIREZ, Francisco Muñoz. In Las cosas de Neruda... Cáceres: Centro Extremeño de Estudios y Cooperación com Iberoamérica, 1998, p. 15.

5 RAMIREZ, Francisco Muñoz. In Las cosas de Neruda... Cáceres: Centro Extremeño de Estudios y Cooperación com Iberoamérica, 1998, p. 15.

6 ROJAS MIX, Miguel. In Las cosas de Neruda. Cáceres: Centro Extremeño de Estudios y Cooperación com Iberoamérica, 1998, p.25.

7 ROJAS MIX, Miguel. Ibid, p. 27

8 NERUDA, Pablo. Confesso que vivi: memórias. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1977, p. 272.

9 NERUDA, Pablo. Ibid, p.1.

10 NERUDA, Pablo. "Oda al mar". In Las cosas de Neruda. Cáceres: Centro Extremeño de Estudios y Cooperación con Iberoamérica, 1998, p. 36.

11 NERUDA, Pablo. In Las cosas de Neruda. Cáceres: Centro Extremeño de Estudios y Cooperación com Iberoamérica, 1998, p. 50.

12 URRUTIA, Matilde. Mi vida junto a Pablo Neruda. Barcelona: Editorial Seix Barral, S.A. 1997, p. 281.

13 NERUDA, Pablo, Ibid., p. 178.

14 FIGUEROA YÁVAR, Juan Agustin. In Las cosas de Neruda. Cáceres: Centro Extremeño de Estudios y Cooperación com Iberoamérica , 1998, p. 20.

15 ROJAS MIX, Miguel. In Las cosas de Neruda. Cáceres: Centro Extremeño de Estudios y Cooperación com Iberoamérica, 1998.

16 EDWARDS, Jorge. Adeus, poeta. São Paulo: Siciliano, 1993, p. 71

17 NERUDA, Pablo. Confesso que vivi: memórias. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997, p. 169.

18 NERUDA, Pablo. Los versos del capitán. Buenos Aires: Editorial Planeta Argentina, 1993, p. 120.

19 FIGUEROA YAVÁR, Juan Agustín. In Las cosas de Neruda. Cáceres: Centro Extremeño de Estudios y Cooperación com Iberoamérica, 1988, p. 21.

20 URRUTIA, Matilde. Mi vida junto a Pablo Neruda. Barcelona: Editorial Seix Barral, S.A.. ,1997, p. 280.

21 NERUDA, Pablo. Canto Geral. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil, 1987, p. 233.

22 CHARTIER, Roger. Au bord de la falaise: l'hisstoire entre certitudes et inquietude. Paris: Albin Michel S.A, 1998, p. 178.

23 EDWARDS, Jorge. Adeus, poeta. São Paulo: Siciliano, 1993, p. 22-23.

24 TURRENT, Lourdes. Ibid. , p.5.

25 MORENO, Luis Gerardo M. ,"Que és un museo"?; Apud KARP Culture and Representation, p. 15. In Cuicuilco. Revista de la Escuela Nacional de Antropologia e História, vol. 3, n. 7, maio-agosto, 1996, México, p. 65.

26 EDWARDS, Jorge. Ibid. p. 30.

27 EDWARDS, Jorge. Ibid., p. 253-4.

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