Introdução
O objetivo deste artigo é discutir o papel que os arranjos urbanos intermediários cumprem nas hierarquias urbanas, visando ao entendimento das novas determinações urbano-regionais impostas pelas transformações em curso em áreas não metropolitanas do Brasil. Isto se justifica porque a perspectiva de integração econômico-territorial do desenvolvimento nacional, pautada na complementaridade intersetorial entre as regiões no período 1950-1980, cedeu lugar à outra com menores nexos de solidariedade inter-regional e fragmentadora dos interesses econômicos nas regiões, pós-1990.
Parte-se de uma pergunta geral: como as transformações impostas pelos capitais que se deslocam para as áreas de fronteiras implicaram em mudanças nas hierarquias urbano-regionais no Brasil? Adiciona-se a essa, questões específicas como: em que medida o crescimento das cidades intermediárias estaria relacionado a tais mudanças? Qual a importância hierárquica dessas cidades para tornar crível uma integração econômico-territorial mais dinâmica? Que fatores econômicos importam à capacidade de mediação dessas cidades em face de contextos espaciais diferenciados, como o das áreas não metropolitanas?
Entre os anos de 1990 a 2010, observa-se de um lado, os grandes centros urbanos se saturando de gente e atividades e as cidades médias crescendo quantitativamente e ganhando destaque nas regiões metropolitanas brasileiras; de outro, a emergência de pequenas e médias cidades nas áreas de expansão da fronteira agrícola vão modificando as relações interurbanas, por meio do surgimento de novas centralidades urbanas. Consideramos que as pequenas e médias cidades poderiam gerar maior capacidade de mediação não fossem obstáculos estruturais ao desenvolvimento urbano-regional.
A noção de arranjos urbanos intermediários, tratada neste contexto, leva em conta um conjunto (ou volume) de cidades, ditas intermediárias, cuja intensidade da urbanização —ou seja, situação em que o ritmo do crescimento da população urbana de uma cidade é maior que o ritmo de crescimento de sua população total— passou a ser notada nas áreas não metropolitanas de determinadas regiões brasileiras. São intermediárias, primeiro, porque crescem fora das áreas metropolitanas de urbanização mais concentrada e, segundo, porque criam maiores vínculos com outras cidades em áreas de urbanização mais dispersa, formando elos dentro e fora da região.
Após o período 1950-1980, a urbanização brasileira torna-se generalizada, consolidando-se nas áreas metropolitanas e intensificando-se nas áreas não metropolitanas nas décadas de 1990, 2000 e 2010. Constata-se na tabela 1 que, após a década de 1980, ocorre uma mudança na distribuição de cidades por tamanho populacional no sistema urbano nacional. Constatamos que o crescimento líquido do número de cidades entre 100 mil e 1 milhão de habitantes foi expressivo no Brasil após 1990, passando de 133 cidades em 1980 para 270, em 2010.
TABELA 1 Brasil: número de municípios por classes da população
CLASSES DE POPULAÇÃO (HABITANTES) | 1950 | 1960 | 1970 | 1980 | 1991 | 2000 | 2010 |
---|---|---|---|---|---|---|---|
Acima de 5 milhões | – | – | 1 | 2 | 2 | 2 | 2 |
Entre 2 e 5 milhões | 2 | 2 | 1 | – | 2 | 4 | 4 |
Entre 1 e 2 milhões | – | – | 3 | 7 | 7 | 6 | 6 |
Entre 500 mil e 1 milhão | 1 | 5 | 6 | 9 | 14 | 19 | 25 |
Entre 100 e 500 mil | 35 | 57 | 83 | 124 | 162 | 193 | 245 |
Até 100 mil | 1.851 | 2.702 | 3.858 | 3.849 | 4.304 | 5.283 | 5.282 |
Total | 1.889 | 2.766 | 3.952 | 3.991 | 4.488 | 5.507 | 5.564 |
FONTE IBGE - VÁRIOS CENSOS DEMOGRÁFICOS. ELABORAÇÃO PRÓPRIA
O crescimento do número de cidades situadas na classe entre 100 e 500 mil habitantes e entre 500 mil e 1 (um) milhão de habitantes indicam uma mudança nas hierarquias urbanas. Ou seja, houve um aumento no poder de comando econô- mico-territorial das metrópoles e os novos comandos surgidos, os arranjos urbano- regionais, conforme discutidos por Moura (2009) e os arranjos urbanos intermediários, aqui discutidos, passaram a se estabelecer em níveis diversos da rede urbana brasileira. O fenômeno já foi chamado de desmetropolização por Santos (2009), significando a repartição da população urbana com outros grandes núcleos. Porém, Jordan e Simioni (1998), num estudo feito para a CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), mostram o efeito generalizado desse fenômeno na América Latina, no período pós-1990.
En todos los países que contaban con la información pertinente, las ciudades de entre 50 mil y 1 millón de habitantes se subdividen en dos categorías: las menores de 500 mil habitantes y las que tenían entre 500 mil y 1 millón de habitantes. Las ciudades de 50 mil a 499 999 habitantes han tendido a crecer más rapidamente que las de entre 500 mil y 1 millón de habitantes. Las diferencias son notables en Argentina, Chile y Venezuela; son moderadas en México y Perú y prácticamente no existen en Colombia. La única excepción a esta regularidad es Bolivia… (Jordan & Simioni, 1998, p. 60).
Dada esta regularidade, buscamos entender o que aconteceu no Brasil. Para isso, construímos uma tipologia (tabela 2), segundo quatro níveis hierárquicos de repartição da população total e o número de municípios de diferentes tamanhos contidos nos mesmos, a fim de mostrar a emergência de novos arranjos urbanos.
TABELA 2 Tipologia de níveis hierárquicos, por critério populacional
Superior | Composto por municípios das principais regiões metropolitanas do país, com mais de um milhão de habitantes e que concentram 37,8 milhões da população brasileira (ou 21,1% da população total do país) em 12 cidades. |
Intermediário concentrado | Composto por municípios de regiões metropolitanas, capitais de estados e centros regionais, com mais de 100 mil e menos de um milhão de habitantes e que concentram 33,7% da população brasileira em 270 cidades, com importante capacidade de intermediação. |
Inferior | Composto por municípios, com exceção daqueles dos níveis anteriores, de até 100 mil habitantes e que concentram 45,2% da população brasileira em 95% (5.285) do total de cidades. |
Intermediário disperso | Composto por 325 municípios com população entre 50 e 100 mil habitantes, ou 11,7% da população total, que formam um conjunto de cidades intermediárias contidas no nível hierárquico Inferior, e que ganham importância na rede urbana para determinadas regiões. |
FONTE CENSO DEMOGRÁFICO DO IBGE (2010) - ELABORAÇÃO PRÓPRIA
Apesar dessa tipologia ser muito geral -pois vários dos pequenos e médios municípios estão orbitando simultaneamente em espaços muito estruturados (regiões metropolitanas) ou pouco estruturados (áreas de expansão da fronteira)-, ela mostra que os níveis intermediários concentrado e disperso caracterizam melhor o sistema urbano brasileiro quanto à distribuição de cidades pelo território nacional e quanto ao sentido da direção interurbana do fluxo de pessoas e mercadorias. Consideramos que tais níveis responderam ao avanço nos processos de modernização econômica do território e aceleraram o ritmo de urbanização nas áreas não metropolitanas.
O estudo dos níveis intermediários concentrado e disperso é, assim, fundamental para analisar a emergência de comandos intermediários nas hierarquias urbano- regionais das áreas não metropolitanas do Brasil. O argumento é que as cidades que compõe esses novos arranjos urbanos adquirem maior ou menor centralidade (posição, tamanho, função, forma e estrutura) devido aos impactos dos investimentos em infraestrutura de transportes e do crescimento do setor de serviços em função das atividades de agroexportação. Perdas ou ganhos de centralidade ocorrem por vários motivos, mas nos interessa considerar a situação em que estas perdas e ganhos se compensam por meio da subdivisão de funções num espaço onde a dispersão dos núcleos urbanos é marcante.
Além desta introdução, o artigo está subdividido em mais três seções e a conclusão. Na primeira seção, faz-se uma discussão mais teórico-conceitual sobre o papel das cidades intermediárias na urbanização reflexa. Na segunda, discute-se a importância dos fatores macroestruturais para a compreensão dos limites enfrentados pelas cidades intermediárias associadas aos arranjos urbanos. Na terceira, abordam-se os investimentos em obras de infraestrutura como fatores condicionantes do avanço da “fronteira urbanizada”, o que é ilustrado pelo caso da Fronteira Ampla, situada nas Regiões Centro-Oeste e Norte do Brasil. Nas conclusões, fazemos uma breve generalização do caso brasileiro para os países latino-americanos.
Hierarquias urbanas e urbanização reflexa: uma perspectiva conceitual
O crescimento da população urbana no Brasil tomado em dois períodos históricos longos, de trinta anos cada, com o primeiro ocorrendo no auge do desenvolvimentismo, de 1950 a 1980 e o segundo, no auge do neoliberalismo, de 1980 a 2010, mostra a importância do nexo urbano-industrial no primeiro e a perda deste no segundo. Conforme ressalta Milton Santos (2008), não é possível mais afirmar que o espaço brasileiro é estruturado somente pelos interesses urbano-industriais. Daí a necessidade de investigar os novos arranjos urbanos e seu papel na mudança das hierarquias urbanas. Pergunta-se: até que ponto as cidades intermediárias são uma boa medida à escala regional do tipo de urbanização que acontece nas áreas de expansão da fronteira agromineral? Se as cidades intermediárias passaram a ter alguma dinâmica social e econômica mais relevante naquelas áreas, como lidar com o alto grau de dispersão da urbanização em determinadas regiões brasileiras?
O propósito desta seção é entender as cidades intermediárias como espaços sujeitos a uma urbanização reflexa, cuja dinâmica é emanada de fora para dentro das áreas não metropolitanas e influenciada por novas determinações macroestru- turais. Dentro dessa perspectiva teórico-conceitual, ainda que de forma preliminar, reunimos aqui alguns autores clássicos do debate regional e urbano brasileiro para destacar três elementos analíticos: a relação entre rede urbana e (re)hierarquização, entre urbanização da fronteira, concentração fundiária e dispersão das cidades e entre arranjo urbano intermediário e cidades intermediárias.
Quanto à primeira relação, entende-se que o papel das cidades na rede urbana só é discernível quando podemos constatar uma capacidade de inter-mediação da cidade, sendo o entendimento sobre suas articulações interurbanas fundamental. Do ponto de vista convencional, as análises disponíveis sobre rede urbana trataram bem das articulações socioeconômicas no território (Lobato Corrêa, 2006; Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada [IPEA], 2001), mas nem tanto do processo de hierarquização, por considerar como dado o privilégio da escala metropolitana. Ainda assim, é importante reter dessa literatura a noção de hierarquia. Lobato Corrêa (2011) cita três condições mínimas para a existência de uma rede urbana: (i) uma economia de mercado desenvolvida, (ii) vários pontos no espaço para realizar as transações econômicas e (ii) uma importante diferenciação hierárquica derivada das duas condições anteriores. Segundo esse autor, “deve haver um mínimo de interações entre esses pontos fixos, interações que refletem e ratificam uma diferenciação hierárquica e/ou em termos de especialização produtiva entre eles” (Lobato Corrêa, 2011, p. 94).
Salienta-se que a noção de hierarquia, como definida acima, é um atributo indispensável para conceituar uma rede urbana. Porém, ao conceituá-la, corre-se o risco de se perder de vista as características dos arranjos urbanos que qualificam o sentido hierárquico adquirido pelas cidades que ganham centralidade. Por isso, interessa-nos mais o movimento de aquisição de centralidades —funções e posições das cidades— nas áreas não metropolitanas que, necessariamente, a fixação delas numa rede urbana mais adensada ou cuja importância maior das cidades pequenas e médias se dê pela localização privilegiada numa área metropolitana mais desenvolvida. Esse movimento de (re)hierarquização, a nosso ver, é que define o arranjo urbano e não a fixação de cidades (antimovimento) de determinado porte numa rede urbana, supostamente, consolidada.
Fruto dessa discussão, considera-se que: a articulação das cidades na rede urbana é o que lhes permite exercer de forma duradoura uma relação com outras situadas no lugar, na região ou fora dela; o ritmo de crescimento da população das cidades no conjunto do país e nas respectivas regiões importa para determinar a intensificação dos fluxos de pessoas e mercadorias; e os vetores de investimento produtivo e/ou em infraestrutura podem estar relacionados ao aumento da intermediação de bens e serviços que um determinado conjunto de cidades foi ampliando e não apenas uma cidade individualmente.
Concernente à segunda relação, consideramos oportuna a abordagem de Bertha Becker (2013), que qualifica as cidades que “comandam” a economia como aquelas “capazes de criar trabalho novo”. No entendimento da autora, nas áreas não metropolitanas, as cidades associadas a cadeias produtivas completas conseguem superar impasses estruturais nas regiões e tornam-se dinâmicas. Ela mostra, por exemplo, que diferenças no povoamento da região devem ser levadas em conta, pois, se for rarefeita, haverá maiores dificuldades para que as “cidades locais” interajam, mesmo na atual fase de desenvolvimento dos meios técnico-científicos.
Em trabalho anterior, “Fronteira e urbanização repensadas”, Becker (1985) aborda a fronteira como espaço não plenamente estruturado para receber e dar funcionalidade às relações capitalistas e nem integrado ao espaço global via urbanização, a fim de atender a distintos interesses sociais e econômicos da modernização. Nesse sentido, afirma que “a estruturação da fronteira se viabiliza pela mediação do urbano”, que serve, segundo a autora, “de base logística para o projeto de sua rápida ocupação” (p. 355). Chama a atenção para o fato de que, no passado, foram necessários o controle e as concessões econômicas e políticas do Estado, reforçando o poder local através da rede de núcleos urbanos (aglomeração de pessoas), para organizar minimamente o mercado de trabalho e para atribuir hierarquia aos núcleos urbanos através da circulação (amplitude e intensidade dos fluxos de bens e serviços), dando maior expressividade aos estoques, fluxos e relações econômicas entre as escalas locais e regionais. Desse modo, a urbanização ou “o núcleo urbano é um elo na cadeia de mobilização, extração e concentração do produto excedente” (p. 369).
Becker lembra-nos ainda que a região Amazônica viveu a emergência de múltiplas formas de urbanização no passado, mas foram os grandes projetos, a criação da Zona Franca de Manaus em 1967 e o Programa Grande Carajás (exploração mineral), planejado na década de 1970 e lançado oficialmente em 1982, que promoveram o fortalecimento dos níveis intermediários de urbanização. Assim, a rede de algumas cidades mais dinâmicas passaria a montar e manter uma base econômica urbana mais diversificada que outras, o que corroboraria, na noção de arranjos urbanos intermediários, a existência de cidades com maior força de intermediação.
Outro elemento que completa esta discussão é o tipo de articulação do espaço rural com o urbano. Cano (2002), baseando-se em Celso Furtado, nos Ensaios sobre a formação económica regional do Brasil, chamará a atenção para o fato do desenvolvimento rural brasileiro ter ocorrido via “agricultura itinerante”, ou seja, pela expansão da fronteira móvel, sempre sujeita a negócios oportunistas e não fixando condições de vida necessárias à sobrevivência da população rural como um todo. Nesse sentido, a dispersão espacial de cidades seria uma tendência estimulada tanto pela concentração da propriedade da terra como pelo avanço da fronteira móvel.
Ainda de acordo com Cano (2002), após o esgotamento de cada ciclo expansionista da fronteira agrícola, e à medida que outro vai se impondo, a concentração fundiária encontra como contra face a profusão de minifúndios, mas sem gerar oportunidades econômicas efetivas para pequenos proprietários e trabalhadores rurais, restando-lhes muitas vezes, como única alternativa, a migração para as cidades. Desse modo, em decorrência do modelo de modernização agrícola estabelecido no Brasil após 1970, tais fluxos migratórios em direção às cidades alcançaram o auge precocemente. Daí a noção de arranjos urbanos intermediários captar também esse aspecto histórico que levou ao deslocamento espacial, no sentido rural-urbano, importantes parcelas da população brasileira.
No período 1980-2010, tratado neste artigo, foram priorizadas as iniciativas de desenvolvimento territorial com maior inserção externa das regiões rurais, devido especialmente ao “efeito China”. Explicitou-se, então, uma forte contradição entre a expansão da fronteira agropecuária e a exploração extensiva (espacialmente) e intensiva (ecologicamente) da base de recursos naturais, já que a produtividade não resultou apenas dos ganhos obtidos por hectare cultivado, mas também da maior facilidade em manter a itinerância territorial como solução de conjunto para o crescimento da agricultura brasileira, de acordo com Cano (2002).
Considera-se, apoiando-nos nesses autores, a emergência de arranjos urbanos intermediários no Brasil como algo que pode decorrer de um processo de “urbanização precoce”, tal como asseverou Cano (2002), mas que também se associa aos estímulos do Estado à “urbanização da fronteira” para dar suporte à sua rápida ocupação, tal como salientou Becker (1985). Em alguma medida, cidades que hoje chamamos de intermediárias são, na verdade, herdeiras de tais processos mais por falta de opção que por escolha própria.
No que tange à terceira relação, entre arranjo urbano intermediário e cidades intermediárias, recorremos a Milton Santos (2009) e suas noções de “Regiões agrícolas que contém cidades” e “Regiões urbanas que contém atividades rurais” para caracterizar a importância dos novos arranjos urbanos no contexto territorial. Assim, como ressalta o autor, a chave para decifrar essas regiões é entendê-las a partir do tipo de relações desenvolvidas no espaço regional, sendo isto mais importante que o tamanho da cidade.
Santos (2008a) alerta-nos também para o fato de que “a força regional (…) não é o resultado apenas da presença de serviços frequentemente induzidos por interesses distantes; ela é o resultado de fatores intra-regionais…” (p. 181). Em seguida, noutro trabalho, Santos (2008b) aponta para a necessidade de se rever a ideia convencional de zona de influência (ou hinterlândia) e de levar em conta “os novos mecanismos geográficos” (p. 128). Salienta ainda que “a rede urbana é cada vez mais diferenciada, cada vez mais complexa”, o que requer que se superem as simplificações conceituais.
As “cidades locais”, sendo aquelas que, no seu entender, exercem o menor nível hierárquico na rede urbana, por exemplo, mudaram de conteúdo nos últimos anos (após 1990), substituindo rapidamente atividades tradicionais por novas especialidades (serviços). Na visão desse autor, as “cidades locais” são mais cidades no campo que cidades do campo. E afirma que o fortalecimento das cidades intermediárias traz uma nova e paradoxal tendência:
Neste período em que há o fortalecimento das cidades intermediárias ligadas às novas formas de produção e consumo, um fato para o qual nem temos voltado a nossa atenção, merece ser realçado: é que no Brasil se dá, ao mesmo tempo, uma tendência à metropolização e à desmetropolização. (Santos, 2008a, p. 128)
Vão no mesmo sentido as observações de Jordan e Simioni (1998), de que é impossível uma definição única e universal das cidades intermediárias. O importante é dar conta da diversidade de situações existentes nos países latino-americanos, o que poderia ensejar uma análise sobre até que ponto, segundo os autores, houve uma reversão de polarização presente historicamente em nossos sistemas urbanos.
… en este escenario, las ciudades intermedias de los países de la región surgen como lugares privilegiados tanto para el crecimiento económico como para la articula- ción de políticas de decisiva trascendencia en el ámbito de la producción agrope- cuaria, industrial y de servicios1. (Jordan & Simioni, 1998, p. 11)
Não é sem motivo que vários pesquisadores brasileiros consideram as cidades médias como elos importantes para o estudo dos espaços urbanos diferenciados, reconhecendo que é “preciso avançar na consolidação de critérios mais consistentes para a definição e identificação das cidades médias brasileiras”, indo além do critério demográfico.
Entre os critérios em discussão, podemos destacar a relevância regional que nos remete à forma como as cidades interagem e se inter-relacionam com as outras ao seu redor, como suas semelhantes e com as metrópoles. Nesse critério, é fundamental a compreensão da rede urbana. (Vieira, Nunes & Guimarães, 2010, p. 61 — grifo dos autores)
Dessa maneira, para além da discussão sobre o conceito de cidade, faz-se mister discutir o grau de mediação entre as cidades e o fenômeno que pauta as transformações nas hierarquias urbano-regionais. É a direção de tais transformações que, em última análise, acaba influindo na importância de um conjunto de cidades em detrimento ou em beneficiamento de outro, justamente por essa maior capacidade de mediação que um determinado conjunto adquire enquanto outro perde. Então, mais que apenas reunir um conjunto de cidades grandes, médias e pequenas pelos vínculos pré-estabelecidos na rede urbana, importa o modo como elas se inter-relacionam e propiciam a criação de um espaço urbano-regional diferenciado.
Num sentido rigoroso, as cidades intermediárias não se confundem conceitualmente com as cidades médias, mas, na prática, sim, à medida que os arranjos intermediários as abrange em boa proporção. O que denominamos de arranjo urbano intermediário reflete mais os interesses socioeconômicos sobre o território, com as cidades intermediárias cumprindo um papel de suporte e articulação dentro do arranjo. Moura (2009) chama atenção para aspectos como esses quando define os Arranjos Urbano-Regionais, sendo estes:
unidades concentradoras de população, relevância econômico-social e infraestru- tura científico-tecnológica, com elevada densidade urbana, forte articulação regional e extrema complexidade, devido à multiplicidade de fluxos multidirecionais de pessoas, mercadorias, conhecimento e de relações de poder que perpassam seu interior, participando de modo mais integrado nos âmbitos estadual, nacional e internacional, como os principais elos de inserção na divisão social do trabalho. (Moura, 2009, p. 1)
Já os arranjos urbanos intermediários, no nosso caso, correspondem a subgrupos ou novos agrupamentos urbanos pertencentes a um contexto espacial em que as cidades estão mais dispersas, devido especialmente ao tipo de atividade econômica realizada, tais como a agroexportação, a mineração e os investimentos em grandes obras de infraestrutura. O elemento básico desses arranjos é a existência de uma grande área para a exploração de determinada economia especializada, o que facilita a dispersão das cidades dos arranjos urbanos pelo território, como também para além das aglomerações concentradas dos arranjos urbano-regionais. Sendo assim, os arranjos urbanos intermediários teriam duas funções precípuas: (i) obter capacidade de mediação espacial interurbana, local-regional, para adensar as relações socioeconômicas no território e (ii) desenvolver capacidade de interação com cidades distantes, em decorrência dos fluxos extralocais que os empreendimentos lá instalados geram, nacional e internacionalmente.
Nessa concepção, os arranjos urbanos intermediários são complementares ou mesmo suplementares em relação aos arranjos urbano-regionais. Melhor ainda, são lugares dispersos cuja população, num primeiro movimento, aflui em direção aos arranjos urbano-regionais, em virtude da fixação de uma grande infraestrutura de suporte às atividades econômicas especializadas desenvolvidas no território e, num segundo movimento, pode refluir para os arranjos intermediários doutros lugares na região, atendendo a estímulos secundários. As cidades com maior capacidade de mediação-interação se situariam entre o lugar disperso e o concentrado, o que tem a ver com o balanço entre ganhos e perdas de centralidade do arranjo urbano, quando influenciado por certos vetores de mudanças.
O balanço entre perdas e ganhos de centralidade, nesse caso, serve para mostrar que as cidades redistribuem posições e funções num território cuja urbanização é dispersa, fechando, assim, o elo entre o urbano e o regional. Os arranjos urbanos intermediários, neste sentido, especificam mais bem esse elo ao influírem na produção de novas hierarquias urbanas por meio das cidades que ganham centralidade e, por conseguinte, acumulam algum poder de comando em resposta (reflexa) aos níveis hierárquicos superiores metropolitanos, inclusive, passando a contar com uma estrutura intra-urbana ampliada.
Em síntese, como o processo de urbanização reflexa está sujeito às vicissitudes do capital —em que os interesses capitalistas hegemônicos são transmitidos desde as áreas metropolitanas, transgredindo as relações hierárquicas herdadas de períodos anteriores— as cidades intermediárias acabam encontrando maiores dificuldades para afirmar sua importância regional. Daí ser necessário ter em conta a formação de novos arranjos urbanos em áreas de urbanização dispersa para compreender as cidades intermediárias dentro dos novos processos de (re)hierarquização, a fim de averiguar como afetam a efetividade das políticas nacionais de desenvolvimento regional.
Novas determinações urbano-regionais: os fatores macroestruturais e as macrodecisões de investimento na formação de arranjos urbanos intermediários em regiões brasileiras
Na seção anterior, considerou-se as cidades intermediárias como um elemento importante na compreensão da dinâmica interurbana nas áreas não metropolitanas. Com a definição de arranjos urbanos intermediários buscamos evidenciar a transferência parcial de poder de comando entre e intra níveis hierárquicos urbanos: saindo do superior, passando pelos intermediários concentrado e disperso e chegando, em menor monta, ao nível inferior. As cidades intermediárias demandam dos arranjos urbanos um porte escalar para exercer tais articulações.
O objetivo desta seção é mostrar que os níveis intermediários urbanos aumentaram de volume no período pós-1990. As macrodecisões de investimento requeridas em apelo aos interesses distantes (mercado mundial de commodities, por exemplo) fizeram com que esses níveis ganhassem funções, formas e mecanismos de interação territorial diferenciados. Há, nesse contexto, uma reação regional que ocorre em função do acúmulo de poder de comando dum conjunto de cidades, para atender diligentemente ao comando hierárquico metropolitano (financeiro, imobiliário, exportador, etc.). A capacidade de intermediação (de bens e serviços) de algumas cidades fortalece esse propósito.
Nossa hipótese é que as cidades intermediárias cumprem, sim, um papel nas hierarquias urbano-regionais do Brasil, mas é um papel ancilar. A nosso ver, são os fatores macroestruturais e as macrodecisões de investimento, como pontuaremos a seguir, que engendram a urbanização reflexa, sujeitando os arranjos urbanos intermediários à reprodução de heterogeneidades estruturais e socioespaciais que limitam o papel das cidades intermediárias.
O Brasil, com as reformas neoliberais e a abertura ao exterior da economia iniciadas nos anos de 1990, enfrentou a forte queda do saldo da balança comercial dando maiores incentivos às exportações de produtos primários, promovendo uma série de transformações produtivas nas áreas de expansão da fronteira agrícola e mineral. Já nos anos 2000 em diante, as obras de infraestrutura rodoferroviárias passaram a constituir os vetores principais de consolidação de um processo de racionalização logística do espaço que verticalizou os territórios, tornando-os predominantemente urbanos à medida que são regulados de fora pelo comando hegemônico do capital transnacional e regulados de dentro pelo capital nacional (estatal e privado), através do Programa de Aceleração do Crescimento (pac), do governo federal.
O “efeito China”, que se evidenciou no período 2003-2014, mudou o padrão de inserção externa da economia brasileira. A análise da pauta exportadora do Brasil para China (figuras 1, 2 e 3) não deixa dúvidas. Verificou-se uma participação crescente de três commodities —soja, minério de ferro e petróleo— entre os cinco principais produtos exportados aos chineses. O Brasil que exportava à China 3,19 milhões de toneladas de soja em 2001, passa a exportar 40,9 milhões em 2015. No caso do minério de ferro, de 28 milhões de toneladas em 2001, passa a exportar expressivos 185,2 milhões em 2015. Isso produziu efeitos no reordenamento territorial consideráveis, com influência marcante nas hierarquias urbanas das regiões Centro Oeste, Norte e Nordeste do Brasil.

FONTE MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO, INDÚSTRIA E COMÉRCIO EXTERIOR (MDIC) - ELABORAÇÃO PRÓPRIA
FIGURA 1 Evolução da participação porcentual do valor dos cinco principais produtos da pauta exportadora do Brasil à China (2001-2015)

FONTE MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO, INDÚSTRIA E COMÉRCIO EXTERIOR (MDIC) - ELABORAÇÃO PRÓPRIA
FIGURA 2 Evolução da participação porcentual do volume das exportações de soja em gãos e minério de ferro do Brasil à China (2001-2015)

FONTE MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO, INDÚSTRIA E COMÉRCIO EXTERIOR (MDIC) - ELABORAÇÃO PRÓPRIA
FIGURA 3 Evolução da participação porcentual do volume das exportações de petróleo e derivados, celulose e derivados e máquinas e ferramentas do Brasil à China (2001-2015)
Ao mesmo tempo, há queda acentuada e até eliminação da participação na pauta exportadora brasileira de produtos de maior valor agregado, como máquinas e ferramentas para aparelhos mecânicos e elétricos, com a consequente maior dependência das importações de produtos automotivos, eletrônicos e máquinas e equipamentos (tabela 3) da China. Em 2001, o valor em dólares das exportações brasileiras em máquinas e ferramentas para aparelhos mecânicos e elétricos era da ordem de US$ 228,7 milhões e passou a US$ 468,2 milhões em 2012, deixando de exportar nos anos seguinte até 2015. De acordo com os dados do Informe China-Brasil Update (2015), o Brasil tem uma dependência relevante de importações chinesas (48,0%), muitas das quais se destinam, sobretudo, à Região Sudeste (54,6%) e ao estado de São Paulo, que participa com 84,2% das importações sobre a corrente de comércio Brasil-China em 2013.
TABELA 3 Brasil e China - Corrente de comércio exterior e dependência de importações da China pelo Brasil, por região (2014)
REGIÃO | (A) CORRENTE (US$ MILHÕES) | PARTICIPAÇÃO REGIONAL | (B) IMPORTAÇÕES (US$ MILHÕES) | DEPENDÊNCIA DAS IMPORTAÇÕES CHINESAS (%) |
---|---|---|---|---|
(A) | % | (B) | (B/A) | |
Sudeste | 34.380 | 44,2% | 18.758 | 54,6 |
Sul | 18.259 | 23,5% | 9.460 | 51,8 |
Norte | 10.543 | 13,5% | 5.388 | 51,1 |
Centro-oeste | 9.349 | 12,0% | 931 | 10,0 |
Nordeste | 5.329 | 6,8% | 2.801 | 52,6 |
Brasil | 77.860 | 100,0% | 37.338 | 48,0 |
FONTE INFORME CHINA-BRASIL UPDATE, EDIÇÃO N° 11 (2015)
A mudança de padrão de inserção extema do Brasil imprimiu modificações na divisão inter-regional do trabalho, pois os interesses industriais chineses concentraram-se quase exclusivamente na maior região metropolitana do país, com 46% dos grandes projetos de investimentos localizados em São Paulo, segundo o Boletim de Investimentos Chineses no Brasil (2014). Consequentemente, isso levou à “reprimarização”, isto é, à maior dependência da participação de produtos primários na pauta exportadora brasileira. O setor exportador nacional tenta compensar a dependência da pauta importadora de produtos industriais chineses e de outros países (Estados Unidos e europeus) com a venda das commodities.
Nesse contexto, boa parte das cidades situadas nas áreas não metropolitanas se tornaram verdadeiras “plataformas de exportação”, com serviços específicos e especializados, dada a intensidade do capital aplicado nos processos extrativistas da indústria mineral e do petróleo, e na agricultura mecanizada. A mineração atinge especialmente a região amazônica e a soja, a Região Centro-Oeste e a Fronteira Ampla.
O documento “Projeções do Agronegócio”, elaborado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (mapa), do Governo federal, em 2013, indica que “entre 2013 e 2023 a produção de grãos pode crescer entre 20,7% e 34,3%, enquanto a área deverá expandir-se entre 8,2 e 21%” (Brasil/MAPA, 2013, p. 68). E, de acordo com o Mapa, o mercado interno também reagiria a esta expansão, sendo que “atualmente, 52,0% da soja grão produzida é destinada ao consumo interno, e do milho, 66,7%” (Brasil/MAPA, 2013, p. 68). Ou seja, tais projeções oficiais mostram que o mercado interno voltaria a crescer e seria o fiel da balança na expansão do setor agropecuário nacional nos próximos anos. O setor de serviços ligado ao agronegócio acompanharia essa tendência, porém, o setor industrial tende a diminuir ainda mais sua participação na pauta de exportações. O efeito espacial dessa dinâmica econômica deve, portanto, reforçar a dispersão das cidades, dada a seletividade espacial das decisões de investimento.
Para isso, também colabora o conjunto dos investimentos projetados no período 2006-2014, parte dele ainda em fase de execução. De acordo com as decisões de investimento em infraestrutura, pode-se constatar na tabela 4 que aquelas dirigidas para os modais rodoferroviários avançaram significativamente no período 2011-2014, com a taxa de crescimento do investimento alcançando um patamar de 18,6% ao ano, elevando-se acima de quesitos como saneamento e energia elétrica.
TABELA 4 Brasil: Projeção do Investimento em Infraestrutura
SETORES | VALOR (R$ BILHÃO) | TAXA CRESCIMENTO (% A.A) | |||
---|---|---|---|---|---|
2006-2009 | 2011-2014 | VARIAÇÃO | |||
Energia Elétrica | 104 | 139 | 35 | 6,0 | |
Telecomunicações | 62 | 72 | 10 | 2,8 | |
Saneamento | 26 | 41 | 15 | 9,4 | |
Logística | 55 | 129 | 74 | 18,6 | |
Rodovias | 20 | 60 | 40 | 24,7 | |
Ferrovias | 30 | 51 | 21 | 11,4 | |
Portos | 5 | 18 | 13 | 26,6 | |
Infraestrutura (Total) | 247 | 381 | 134 | 9,0 |
FONTEBNDES (2011) - VISÃO DO DESENVOLVIMENTO, N° 92
Os investimentos do pac, relacionados ao Programa de Investimento em Logística (pil), destacam as Ferrovias: as obras de infraestrutura das ferrovias Norte-Sul — que atenderão aos municípios de Aguiarnópólis-To e Anápolis-Go)—, a Ferrovia de Integração do Centro-Oeste —que atenderá aos municípios de Uruaçu-Go, Lucas do Rio Verde-MT e Vilhena-Ro— e a Ferrovia de Integração Oeste-Leste —que visa atender aos municípios de Figueirópolis-To e Ilhéus-BA—. E obras de Rodovias: com construção da br-163 e a br-158 pretende-se atender aos estados do Pará, Mato Grosso, Goiás e Mato Grosso do Sul; com a br-153, os estados do Pará, Tocantins e Goiás; e com as radiais br-60 e 70, o Distrito Federal, Goiânia, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Através dessas conexões, eleva-se o grau de seletividade e assimetria espaciais em diferentes áreas das regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste. A estimativa de gastos situou-se ao redor de R$ 380 bilhões para o período 2011-2014, projetando uma taxa de investimento no setor da ordem de 2,5 a 3% do PIB (Produto Interno Bruto), segundo o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES, 2011). As figuras 4 e 5 dão uma noção dessas projeções.

FONTEVALEC ENGENHARIA, CONSTRUÇÕES E FERROVIAS S.A., BRASIL (2016)
FIGURA 4 Programa de Investimento em Logística (PIL) voltado às Ferrovias

FONTE VALEC ENGENHARIA, CONSTRUÇÕES E FERROVIAS S.A., BRASIL (2016)
FIGURA 5 Programa de Investimento em Logística (PIL) voltado ás Rodovias
Tais projeções indicam que o setor agropecuário, especialmente aquele voltado à produção de grãos, irá crescer nas áreas dos estados brasileiros do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, devendo “produzir próximo de 18 milhões de toneladas de grãos em 2023 (aumento de 21,6%) e [elevar a] área plantada de grãos entre 7 e 10 milhões de hectares” (Brasil/MAPA, 2013, p. 71). Neste caso, o governo federal instituiu o decreto n. 8.447 de maio de 2015, que cria o Plano de Desenvolvimento Agropecuário do Matopiba2 (PDA-Matopiba). Dentre as três diretrizes do plano, a primeira se refere ao “desenvolvimento e aumento da eficiência da infraestrutura logística relativa às atividades agrícolas e pecuárias” (Brasil, 2015, s/n.).
Os investimentos atuais em ferrovias nos mostram que este modal terá uma participação cada vez mais relevante no escoamento da produção agrícola do país. Na nova etapa do pil, espera-se investir R$ 86,4 bilhões de um total de R$ 327,6 bilhões na expansão e operação da infraestrutura de transportes no período 2015-2018. Ou seja, o equivalente a 26,4% da previsão de investimentos. Chama a atenção, nessa nova etapa, o acordo firmado entre China, Brasil e Peru em torno da construção da ferrovia Bioceânica, visando à ligação entre os oceanos Atlântico e Pacífico para ampliar as possibilidades de escoamento da produção dos países sul-americanos.
Em boa medida, tais inversões sobre os territórios fazem com que as cidades localizadas nas áreas não metropolitanas das regiões Centro-Oeste, Nordeste e Norte elevem seu o incremento populacional urbano. Isto porque os investimentos em infraestrutura do pac, relacionados aos grandes projetos de forte impacto no território —tais como usinas hidrelétricas, exploração mineral e projetos rodoferroviários— requerem a formação ou ampliação de núcleos urbanos, explicitando uma relação estreita entre a seletividade dos projetos no uso e controle da base de recursos naturais do território e a intensidade da urbanização nas áreas de fronteira no período pós-1990.
A partir daqui, utilizamos a tipologia de níveis hierárquicos para mostrar a intensidade da urbanização e ilustrar a discussão. A vantagem desse critério é que nos permite visualizar os níveis intermediários da urbanização de modo comparativo para diferentes regiões do Brasil e, em especial, para os espaços de expansão da fronteira agromineral, onde as cidades são agrupadas conforme a tipologia adotada.
Desse modo, pode-se observar, no figura 6, que houve um crescimento dos níveis intermediários da população urbana no Brasil desde 1970. Quanto à distribuição dos incrementos de população urbana, por grandes regiões, entre dois longos períodos (1950-1980 e 1980-2010), o figura 7 mostra o peso relativamente maior na participação das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste comparativamente ao período anterior.

FONTEIBGE (2010) - ELABORAÇÃO PRÓPRIA
FIGURA 6 Crescimento dos níveis intermediários de urbanização no Brasil (1970-2010)

FONTE IBGE - CENSO DEMOGRÁFICO
FIGURA 7 Distribuição do incremento de população urbana por Grandes Regiões em dois períodos. Brasil = 100%
Na figura 8, por sua vez, observa-se que a intensidade da urbanização se concentrou no período em que tiveram lugar as políticas neoliberais (1980-2010), através da maior abertura da economia brasileira ao mercado internacional de commodities. Esta intensidade é medida pela razão entre o crescimento da população urbana e o crescimento da população total, sendo que a obtenção de um valor acima de 1,0 (um) significa que a população urbana intensificou seu crescimento, com índices superiores à da população total.

FONTE IBGE - CENSO DEMOGRÁFICO. ELABORAÇÃO PRÓPRIA
FIGURA 8 Intensidade da Urbanização em dois longos períodos no Brasil e em suas cinco grandes Regiões
Em razão dos fatores macroestruturais e das macrodecisões prevalecentes no período pós-1990, via o superciclo de commodities puxado pela China, as cidades intermediárias no Brasil passaram a traduzir, mais que qualquer outra, um processo de urbanização reflexa. Assim, a característica central do atual padrão de urbanização é ter dado sustentação a uma organização espacial com cidades de conteúdo agrícola moderno, que passam a contar com um segmento terciário (serviços) mais avançado e que, concomitantemente, tornaram-se mais dependentes de relações socioeconô- micas extralocais/regionais e de repasses e/ou investimentos governamentais. Um aspecto comum e decisivo que influi sobre o re-ordenamento territorial das regiões brasileiras e que reitera a emergência dos arranjos urbanos intermediários nas áreas não metropolitanas são os investimentos em obras de infraestrutura de largo alcance espacial. Tomaremos a seguir os casos da Fronteira Ampla e da Borda Amazônica para ilustrar a análise.
Investimentos em infraestrutura na fronteira urbanizada do Cerrado e da Amazônia Oriental: o caso dos Arranjos Urbanos Intermediários da Fronteira Ampla e da Borda Amazônica
Buscamos, na seção anterior, explicitar os fatores macroestruturais e as macrodecisões de investimento que estão influenciando nas mudanças das hierarquias urbano-regionais. Os investimentos executados e previstos recentemente reforçam nossa análise, mostrando que os projetos de infraestrutura operam de acordo com a lógica de escoamento da produção primária (agropecuária, energética e mineral), provocando novos processos de re-hierarquização na rede urbana nacional.
Nesta seção, nosso objetivo é ilustrar a discussão sobre a emergência dos novos arranjos urbanos intermediários, chamando a atenção para os efeitos espaciais das obras de infraestrutura em curso no Brasil. Numa região como a Amazônia Oriental, onde até a pouco tempo atrás as vias de acesso ou de escoamento da produção eram praticamente inexistentes ou precárias, com a expansão da fronteira agrícola, foi possível modernizar os modais de transporte e viabilizar atividades, aproveitando o suporte logístico de crescimento da base urbana.
A infraestrutura, no caso, dá sentido, fluidez, velocidade e rentabilidade ao território, incrementando a taxa de urbanização dos arranjos, até que algumas das cidades daquele contexto espacial adquiram força intermediadora suficiente, decorrente do aumento nos fluxos materiais e imateriais (serviços), para mudar de porte e alcançar um comando hierárquico com alguma relevância. No que tange aos arranjos urbanos intermediários, é mais comum que as centralidades urbano- regionais estejam subdividas em comandos complementares, entre duas ou mais cidades do mesmo arranjo. Cidades como Araguaína, Gurupi, Paraíso do Tocantins, Colinas do Tocantins, Guaraí, no estado do Tocantins (figura 9), que tiveram suas economias dinamizadas pela agroindústria, p. ex., adquiriram centralidade, mas sem alcançarem a importância de um centro regional.

FONTE MINISTÉRIO DOS TRANSPORTES, PORTOS E AVIAÇÃO CIVIL, BRASIL (2007)
FIGURA 9 Trechos rodoferroviários no estado do Tocantins
Na nova etapa do pil, lançada entre 2014 e 2015, as regiões que receberão os maiores montantes de investimentos derivados da construção de ferrovias são exatamente as da fronteira agrícola. Além da ferrovia Norte-Sul, há também o plano de construção de uma ferrovia entre Rio Verde (mt) e Miritituba (pa), com a finalidade de melhorar o escoamento da produção agrícola do estado do Mato Grosso, e a já citada Ferrovia Bioceânica. Vale lembrar que quando a ferrovia Norte-Sul foi iniciada, ainda no governo do presidente José Sarney (1985-1990), o único trecho construído foi o que liga os municípios de Açailândia-ΜΑ e Imperatriz-MA, com 95 km. Durante oito anos de governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) foram construídos mais 120 km entre Imperatriz-MA e Aguiarnópolis-To e uma ponte sobre o rio Tocantins, ligando os municípios de Estreito-MA e Aguiarnópolis-To. Desde 2007, ano de início do pac, até maio de 2014, foram construídos 1.351 km de ferrovia.
No período atual, a construção e a melhoria de eixos viários existentes consolidam a fronteira agrícola como espaço de acumulação, a fim de ampliar a competitividade do país no mercado de commodities frente à concorrência internacional. A figura 10 destaca o plano de expansão de um dos trechos da ferrovia Norte-Sul.

FONTE VALEC ENGENHARIA, CONSTRUÇÕES E FERROVIAS S.A., BRASIL (2O16)
FIGURA 10 Plano de expansão de ferrovias no Brasil: destaque para o trecho Barcarena (Pará)-Açailândia (Maranhão), situado no extremo norte da ferrovia Norte-Sul (EF-151)
Os municípios da região que sediaram pátios dos modais da Ferrovia 151 (Norte-Sul) passaram a ganhar importância na realização de fluxos de mercadorias e pessoas. O trecho entre Açailândia-MA e Barcarena-PA, de 477 km —cujo propósito é ligar a ferrovia ao porto de Vila do Conde—, permitirá que parte da produção regional seja enviada para o porto de Itaqui, em São Luís-MA, via ferrovia Carajás. Tais conexões ampliam os processos espaciais e, simultaneamente, reforçam a verticalização do território ao acionarem o interior das regiões de fronteira para ligá-lo aos portos diretamente.
Salienta-se que essa dinâmica extrovertida vai além das áreas do Cerrado nordestino e do estado do Tocantins, as quais são vistas pelo governo brasileiro como a “última fronteira agrícola do mundo” (Brasil/Mapa, 2015). Obviamente, não se trata apenas disso, mas dos diferenciais de urbanização ao longo das últimas décadas que dão uma amplitude maior à região de fronteira. No estágio atual, incluímos parte da floresta amazônica, principalmente as áreas limítrofes a outros biomas e algumas outras áreas do Cerrado brasileiro no espaço que denominamos de fronteira ampla. Dessa forma, grande parte da Amazônia oriental, incluindo porções do estado do Pará e de Rondônia, estaria inserida nesses processos seletivos de reordenamento territorial da fronteira urbanizada.
Dada à extensão dos processos espaciais em curso, voltamos nossa atenção para os seus desdobramentos na Fronteira Ampla —que compreende os municípios dos estados do Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goiás, Rondônia, Acre, Pará, Tocantins, Maranhão Piauí e Bahia— e na Borda Amazônica —que compreende os municípios dos estados do Mato Grosso, Goiás, Pará e Tocantins— para ilustrar a emergência de arranjos urbanos intermediários, que marcam diferenças regionais de crescimento urbano. Verifica-se na tabela 5 que há um crescimento demográfico do conjunto de cidades intermediárias desde 1970, mas esse crescimento persevera nesses subespaços regionais pós-1990.
TABELA 5 Taxa média geométrica (%) de crescimento demográfico anual para cidades, por níveis hierárquicos e recortes espaciais selecionados
NÍVEL HIERÁRQUICO | BRASIL | FRONTEIRA AMPLA (COM RMS) | FRONTEIRA AMPLA (SEM RMS) | BORDA AMAZÔNICA | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
1970/2010 | 2000/2010 | 2000/2010 | 2000/2010 | 1970/2010 | 2000/2010 | 1970/2010 | 2000/2010 | |
superior | 2,76 | 1,73 | 4,7 | 2,78 | – | – | – | – |
Intermediário concentrado | 3,38 | 2,1 | 2,11 | 0,34 | 5,88 | 3,74 | 7,68 | 5,23 |
Inferior | 2,47 | 0,92 | 2,92 | -0,37 | 3,57 | 1,35 | 4,53 | 1,64 |
Intermediário disperso | 2,95 | 0,62 | – | -1,45 | 4,47 | 1,97 | 6,48 | 3,8 |
FONTE IBGE - VÁRIOS CENSOS
NOTA OS TRAÇOS SIGNIFICAM QUE A POPULAÇÃO DO ANO BASE É IGUAL A ZERO
A figura 11, que mostra o número de armazéns de grãos, ilustra o cenário geral dessas frentes de expansão na Amazônia, em que é possível apenas distinguir os principais estados da Borda Amazônica, dentro da Fronteira Ampla, por meio da presença dos armazéns de grãos (pontos) localizados no Pará (PA), Tocantins (TO), Goiás (GO), Mato Grosso (MT) e Rondônia (RO). A concentração desses armazéns no subespaço serve à formação de nucleações urbanas.

FONTE MINISTÉRIO DOS TRANSPORTES, BRASIL (2007)
FIGURA 11 Biomas do Brasil e a distribuição territorial de armazéns de grão em 2010
Entre 2000 e 2010, as cidades que compõem a Fronteira Ampla e a Borda Amazônica, apresentaram um crescimento anual de sua população superior ao verificado nos mesmos níveis hierárquicos para o Brasil. No caso dos níveis intermediários, o crescimento populacional foi mais significativo. A queda no crescimento anual, a partir dos anos de 2000, quando comparado ao crescimento desde a década de 1970, se explica pela redução da taxa de natalidade do país e pela abertura de várias frentes de expansão territorial naquelas regiões.
A emergência dos arranjos urbanos intermediários evidenciam o papel dos investimentos em infraestrutura, obras de logística rodoferroviária, como um dos principais determinantes dos novos comandos que surgem, forjando re-hierarquizações urbano-regionais a partir de áreas não metropolitanas, dado que fatores como a localização de empreendimentos logísticos, as funcionalidades das obras, o escoamento de produção por diferentes direções do território nacional possibilitaram uma interação mais frequente entre cidades nas regiões brasileiras situadas no bioma do Cerrado e na Amazônia Oriental, o que afetou o destino das suas populações rural e urbana.
Concernente à população rural (tabela 6), constata-se sua concentração, em termos absolutos, no nível Inferior da hierarquia urbana da Borda Amazônica. A participação da população rural total nesse subespaço é de 76,5% em 2000 e de 65,4% em 2010. Já nos níveis intermediários concentrado e disperso, a população rural aumentou de 23,1% para 34,2%, respectivamente, entre 2000 e 2010. No nível Superior, a população rural não cresceu, ficou em 0,4% da população rural total, respectivamente, no mesmo período. Observe-se, que, nesses dois últimos censos, apenas os níveis intermediários obtiveram aumento relativo maior de população rural, supostamente, porque as cidades tiveram um papel ativo na gestão das atividades rurais. No caso da população urbana (figura 12), os níveis intermediários se destacam.
TABELA 6 Evolução da população rural nos estados da Borda Amazônica (1970-2010)
NÍVEL HIERÁRQUICO | 1970 | 1980 | 1991 | 2000 | 2010 |
---|---|---|---|---|---|
Superior | – | – | 395.502 | 15.461 | 16.849 |
Intermediário concentrado | 148.984 | 426.721 | 311.003 | 309.087 | 478.507 |
Inferior* | 2.784.464 | 2.857.999 | 2.983.931 | 3.050.107 | 2.769.376 |
Intermediário disperso | 329.437 | 657.495 | 839.176 | 612.570 | 966.723 |
FONTE CENSOS DEMOGRÁFICOS/IBGE. ELABORAÇÃO PRÓPRIA
NOTA POPULAÇÃO DESTE NÍVEL EXCLUIU A DO NÍVEL INTERMEDIÁRIO DISPERSO PARA EVITAR DUPLA CONTAGEM

FONTEIBGE (2010) - ELABORAÇÃO PRÓPRIA
FIGURA 12 População urbana dos municípios situados nos níveis Superior, Inferior e Intermediários da Fronteria Ampla (fa) e da Borda Amazônica (ba), em milhões de pessoas (1970-2010)
Verifica-se que a maior concentração da população urbana se dá nos níveis Intermediários concentrado e disperso, tanto no subespaço denominando de Fronteira Ampla como no da Borda Amazônica. Após 1990, ocorre aumento mais rápido de população urbana no nível Inferior, devido, supomos, ao efeito do crescimento da população urbana no nível Superior e nos níveis intermediários, indicando uma re-hierarquização urbana no subespaço da Fronteira Ampla, causada pela criação de maiores vínculos econômicos nesse subsistema.
No subespaço da Borda Amazônica, a partir dos anos 1990, não ocorre aumento de população urbana no nível Inferior no mesmo ritmo da Fronteira Ampla. De acordo com o critério demográfico usado, os municípios do nível Superior surgem apenas em 1991, mas crescem mais lentamente que os demais. Já a população urbana dos níveis Intermediários concentrado e disperso elava-se, vis-à-vis os níveis Superior e Inferior entre 2000 e 2010, com destaque para o maior aumento no ano de 2010. Essa intensificação do crescimento da população urbana nos níveis intermediários da Borda Amazônica também confirma, a nosso ver, um processo de re-hierarquização urbana.
De acordo com as taxas de urbanização dos dois subespaços, constata-se que as da Borda Amazônica superam as da Fronteira Ampla. Reitera-se, assim, o avanço de uma fronteira urbanizada como uma das principais consequências da re-hierarquização, que se origina de fora desse subespaço, influenciada pelos fatores macroestruturais já discutidos. No caso da Borda Amazônica, o ritmo de urbanização é mais intenso desde 1980, com taxas acima de 50%, e se mantém crescendo (tabela 7).
TABELA 7 Evolução das taxas de urbanização da Fronteira Ampla e da Borda Amazônica (1970-2010) (percentagem)
SUBESPAÇO | 1970 | 1980 | 1991 | 2000 | 2010 |
---|---|---|---|---|---|
Fronteira Ampla | 38,80 | 49,00 | 59,30 | 70,00 | 73,80 |
Borda Amazônica | 43,90 | 55,70 | 65,30 | 75,40 | 78,40 |
FONTE CENSOS DEMOGRÁFICOS/IBGE. ELABORAÇÃO PRÓPRIA
Com relação ao cálculo dessas taxas de urbanização, esclarecemos que elas são uma composição (soma) das taxas de cada nível (Superior, Inferior e Intermediários Concentrado e Disperso). Por isso, os gráficos a seguir vão conter taxas de urbanização inferiores a 50%. A intenção é mostrar quanto cada nível contribui para, digamos, urbanizar a fronteira, confirmando, desse modo, o papel dos níveis intermediários nesse aspecto central.
No subespaço da Fronteira Ampla, as taxas de urbanização vão de 38,8% em 1970 para 73,8% em 2010. De acordo com a composição das taxas de urbanização por nível hierárquico nesse período, elas se estabilizaram no nível Superior e diminuem o ritmo de crescimento no nível Inferior entre 2000 e 2010. Somente em 2010 é que há um maior descolamento da taxa de urbanização dos níveis intermediários em relação aos demais, mas sua evolução é progressiva depois de 1991, quando passa a crescer a um ritmo mais constante. Ainda na tabela 7, observa-se que a evolução das taxas de urbanização no subespaço da Borda Amazônica, que vão de 43,9% em 1970 para 78,4% em 2010, são superiores às da Fronteira Ampla.
Finalmente, os figuras 13, 14 e 15, a seguir, ilustram exatamente o processo de avanço da fronteira urbanizada, comandado pelos níveis intermediários, o que constatamos por meio do crescimento absoluto da população urbana e pelas taxas de urbanização, considerando a comparação entre os subespaços adotada aqui.

FONTEIBGE (2010) - ELABORAÇÃO PRÓPRIA
FIGURA 13 População urbana dos municípios situados nos níveis Superior, Inferior e Intermediários da Borda Amazônica (ba), em milhões de pessoas (1970-2010)

FONTEIBGE (2010) - ELABORAÇÃO PRÓPRIA
FIGURA 14 Fornteira Ampla: taxas de urbanização dos níveis hierárquicos Superior, Inferior e Intermediários (1970-2010)

FONTEIBGE (2010) - ELABORAÇÃO PRÓPRIA
FIGURA 15 Borda Amazônica: taxas de urbanização dos níveis hierárquicos Superior, Inferior e Intermediários (1970-2010)
De acordo com a distribuição da população urbana (figura 13) e composição das taxas de urbanização na Fronteira Ampla e na Borda Amazônica (figura 14 y 15), por nível hierárquico, constata-se que as taxas de urbanização dos níveis intermediários concentrado e disperso são mais ou menos constantes para os dois subespaços nos anos dos censos populacionais de 1980, 1991 e 2000. Somente no último ano é que seu ritmo de crescimento será pronunciado, alcançando 39%, na Borda Amazônica. Como há uma manutenção do ritmo de urbanização no nível Superior nos anos 2000 e 2010 e uma quebra do ritmo de urbanização no nível Inferior em 2010, nesse subespaço, presume-se que o processo de re-hieraquização da rede urbana brasileira avança, sobretudo, em função da ampliação da base urbana nas áreas de fronteira.
Conclusões
Um dado histórico frequentemente esquecido sobre a formação socioespacial da América Latina é que as suas estruturas agrárias e agrícolas influenciaram diretamente no padrão de urbanização. A análise das mudanças nas hierarquias urbanas brasileiras, ao levar em conta o caráter reflexo da urbanização no contexto do subdesenvolvimento, chama a atenção para essa particularidade. E o surgimento de arranjos urbanos intermediários matizam tal caráter no que chamamos de novas determinações urbano-regionais, ilustradas pelas mudanças nas áreas não metropolitanas situadas na Fronteira Ampla e na Amazônia Oriental do Brasil, onde uma série de investimentos influíram na expansão da fronteira produtiva e na intensificação da urbanização.
Quanto ao objeto de análise, tratamos os arranjos urbanos intermediários, ao mesmo tempo, como um recorte de certos subespaços interregionais ou de subespaços específicos numa mesma região e um ajuntamento de lugares dispersos que criam interconexões, para que um determinado território realize seu movimento de modernidade seletivamente ou, em menor grau, contiguamente. Consideramos que esses arranjos não estão livres do monopólio socioeconômico exercido pelas áreas metropolitanas, que subordinam os espaços subnacionais em consonância com o processo reflexo de urbanização, fruto de interesses distantes. Comprovao a experiência comum que parte dos países latino-americanos divide em relação aos impactos das políticas neoliberais e das perspectivas de investimentos previstas na iirsa (Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana), surgida em 2000, para a modernização da infraestrutura física da região via mega-projetos de investimento.
Finalmente, podemos concluir que as cidades não pararam de crescer no período neoliberal. Foram as formas de articulação entre cidades que mudaram, especialmente quando considerado o acúmulo de obstáculos ao desenvolvimento urbano- regional no Brasil. A “guerra fiscal” levou à competição entre governos regionais e alimentou a “guerra de lugares”, criando valor diferencial aos empreendimentos capitalistas no espaço, conforme o poder de uso e controle desses empreendimentos sobre os recursos naturais, sociais e econômicos do território. Nesse sentido, a configuração (estática) da rede urbana torna-se menos importante que os processos de hierarquização (dinâmico) no atual estágio do capitalismo, podendo gerar, inclusive, uma superierarquização nas redes urbanas dos países latino-americanos, resultante de profundadas assimetrias incorridas na urbanização reflexa.